A Zoomp, grife criada nos anos 70, desejada e copiada nas décadas seguintes, tenta agora se levantar. O glamour da marca - responsável pelo primeiro grande trabalho de Gisele Bündchen e por onde passaram estilistas como Alexandre Herchcovitch, Marcelo Sommer e Jum Nakao - ficou restrito aos quadros das antigas campanhas, dispostos nas paredes da sede da empresa, em Barueri (SP). Imersa em dívidas calculadas em mais de R$ 80 milhões, a Zoomp entrou com um pedido de recuperação judicial em março do ano passado. Desde então, batalha para pagar os débitos aos credores.
O caso da grife é apenas mais um. O número de pedidos de recuperação judicial disparou no ano passado. Ao todo, 670 empresas fizeram o pedido, mais do que o dobro de 2008, de acordo com dados da Serasa Experian. O aumento é resultado direto do impacto da crise global na oferta de crédito para empresas. Em janeiro, os pedidos recuaram, mas continuam ainda em um patamar superior ao da média histórica.
Com a nova lei de falências, de 2005, a recuperação judicial se tornou uma alternativa para empresas em apuros. "Ao contrário da concordata, que era uma moratória das dívidas do devedor, a recuperação judicial cria possibilidades reais para a empresa se reerguer", diz Thomas Felsberg, sócio-fundador do Felsberg e Associados, um dos maiores escritórios com atuação nessa área.
O plano de recuperação da Zoomp foi aprovado por quase 100% dos credores. "Depois da assembleia, caí doente. Foi uma negociação pesada", afirma Carlos Valmer, um dos executivos à frente da companhia. Valmer é sócio da Global Capital, uma gestora de recursos de terceiros, que fez um último aporte de R$ 20 milhões na empresa no início de 2008. Mas sob uma condição: os sócios Enzo Monzani e Conrado Will - que haviam comprado a Zoomp do fundador Renato Kherlakian, em 2006 - teriam de deixar o comando da companhia.
A tarefa empreendida pelo novo comitê gestor começou no escritório. O número de diretores caiu de oito para três. "O mundo da moda vive muito de excesso", diz Valmer, um executivo financeiro, que usa sempre calça jeans e o mesmo modelo de camisa, de manga comprida, que gosta de usar dobrada, deixando o antebraço à mostra. Os outros dois executivos do comitê também não parecem se preocupar em seguir as últimas tendências da moda.
Em fevereiro do ano passado, antes do pedido de recuperação, a sede da Zoomp chegou a ser lacrada ao ter a falência decretada, em uma ação movida por um fornecedor que cobrava uma dívida de R$ 400 mil. Mas a companhia conseguiu reverter a decisão. A folha de pagamento chegou a atrasar três meses. "É preciso ter estrutura emocional, sangue frio para trabalhar numa empresa sob essas condições", diz Valmer.
No galpão, que até o fim dos anos 90 abrigou a fábrica da empresa, hoje sobra espaço. Naquela época, eram 1,2 mil empregados. Agora, não chegam a 250. E há muito trabalho a ser feito. Funcionários estocam as roupas que chegam das 47 confecções terceirizadas e designers criam os modelos da próxima coleção. O sistema de entrega está normalizado, a folha de pagamentos também. A coleção primavera-verão foi bem: 300 mil peças vendidas. Mas muitas práticas tiveram de ser adaptadas. Nas fotos do catálogo, em vez de modelos com cachês altos, uma funcionária do departamento comercial da empresa exibe as roupas. A decisão de não participar da São Paulo Fashion Week também faz parte da estratégia de contenção de custos. "Estamos até hoje pagando os últimos SPFW que a Zoomp desfilou."
O funcionário Lincoln Eloy Nascimento, de 30 anos, aposta na retomada da marca. Há 15 anos na empresa, ele diz que em nenhum momento pensou em sair de lá. Nos últimos meses, passou a reforçar o time do comercial da companhia. "Eu ligava para os clientes dizendo: "Estamos vivos, estamos trabalhando, produzindo. Seu pedido está aqui e vai ser entregue".
REESTRUTURAÇÃO
Os processos de recuperação judicial estão abrindo mercado no País para grandes escritórios de advocacia e empresas especializadas em reestruturação e gestão. "O maior problema hoje é a captação de recursos para empresas em crise. É preciso aprimorar as regras e aumentar a segurança dos investidores para desenvolver esse segmento", diz Luiz Fernando Valente de Paiva, especialista em recuperação judicial, do escritório Pinheiro Neto.
O advogado carioca Fábio Carvalho preferiu tentar a sorte do outro lado do balcão. Deixou de ser consultor para tornar-se gestor e principal investidor da nova Casa & Vídeo, empresa criada no fim do ano passado, depois da aprovação do plano de recuperação judicial da rede fluminense de varejo.
Carvalho participou do primeiro processo de recuperação judicial do País, o da Varig, em 2005. Depois, trocou a advocacia por um lugar entre os sócios da Alvarez & Marsal, consultoria especializada em reestruturação empresarial. Chegou a cuidar da gestão de ativos do banco Lehman Brothers no Brasil, durante a crise econômica, quando foi chamado para acompanhar o trabalho da consultoria na Casa & Vídeo.
A empresa já ia mal das pernas quando, no fim de 2008, mergulhou no turbilhão da Operação Negócio da China, da Polícia Federal, que fez a Justiça bloquear 30 toneladas de mercadorias e jogar na cadeia os sócios fundadores da rede, sob a acusação de sonegação fiscal, descaminho e lavagem de dinheiro. Carvalho apontou a recuperação judicial como saída.
Primeiro, foi preciso convencer os fornecedores a esquecer temporariamente as dívidas e continuar vendendo para a rede. A empresa somava um débito de mais de R$ 300 milhões e o estoque estava no fim. "Vários fornecedores deram com a porta na nossa cara, mas não havia alternativa", diz Carvalho, que afirma ter conseguido a adesão de 70% dos fornecedores.
No dia da aprovação da recuperação, reuniu um grupo de gerentes numa sala quando tomou posse e a primeira notícia foi a de que demitiria 3 mil dos 6 mil empregados. Para ele, é mais fácil cortar custos numa empresa em recuperação. "A luta é pela sobrevivência."
A nova Casa & Vídeo ficou com 61 lojas no Rio e deixou as dívidas trabalhistas e fiscais para a antiga. Carvalho afirma que tirou dinheiro do bolso e levantou mais algum no mercado para colocar R$ 20 milhões na empresa. Em dezembro, a companhia abriu uma nova loja. "A ideia é inaugurar 20 nos próximos dois anos, mas a Casa & Vídeo nova vende ainda 25% a menos por loja do que a antiga", diz Carvalho, reconhecendo o dano causado à marca. "Tenho de recuperar isso, mas sem gastar R$ 1 por metro quadrado."
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Fonte: Estado de S. Paulo (22/02/2010)