O foco exagerado das empresas apenas no lucro faz com que elas deixem de lado a gestão do caixa e do capital de giro. Quando as coisas vão bem, ninguém nota o problema. Já quando as linhas de crédito são cortadas, como ocorreu na recente crise, o estrago vem à tona.
A análise é feita pelo líder global de gestão de caixa da área de reestruturação da KPMG, Eoin Connaughton, para quem a definição das metas e dos bônus dos executivos leva a esse tipo de comportamento. "A área comercial está preocupada com a venda, e não com o prazo em que o dinheiro entrará no caixa", exemplifica ele, que trabalha no Reino Unido, e vai tratar desse assunto durante palestra agendada para hoje no "I Congresso TMA de Recuperação e Reestruturação de Empresas", organizado pela Turnaround Management Association (TMA) do Brasil.
Connaughton comenta que existem planos de gestão de caixa que podem ser usados por empresas em situação confortável, por outras com nível médio de liquidez e por aquelas que já estão com a corda no pescoço. No entanto, ele reconhece que as companhias, pequenas ou grandes, só costumam procurar ajuda quando se enquadram neste último caso.
Quando tomada a decisão de se atacar o problema, Connaughton diz que o maior desafio é a execução do plano, já que é preciso vencer barreiras culturais dentro das empresas.
Além de tentar alongar o pagamento de fornecedores e de reduzir o prazo de financiamento dos clientes, o executivo da KPMG chama a atenção para alternativas não tão tradicionais que podem ajudar a elevar o caixa, como a área de impostos, de gestão imobiliária de aluguéis e também os fundos de pensão.
Na área tributária, ele diz que no Reino Unido as empresas podem negociar com o fisco um plano de diferimento de impostos quando estão em dificuldades, o que funciona como uma espécie de Refis prévio acertado caso a caso.
Aqui no Brasil, por exemplo, muitas empresas deixaram de pagar impostos durante o período da crise financeira porque o custo das multas e juros cobrados pelo fisco eram menores do que o do crédito bancário.
Também falando sobre a crise, o sócio líder da área de reestruturação de empresas da KPMG no Brasil, Salvatore Milanese, diz que apesar de as tendências macroeconômicas do país serem positivas de um modo geral, não é possível dizer o mesmo de alguns setores da economia local.
Ele citou como exemplo aqueles dependentes de commodities e de exportação, por conta da acentuada valorização do real contra o dólar, que desde o início do ano já supera 25%. "As margens estão diminuindo e isso dificulta a tomada de empréstimo. Eles estão sob pressão", afirma Milanese.
Segundo o advogado Thomas Felsberg, presidente do conselho da TMA Brasil, o fato de, na média, as empresas estarem em uma situação confortável um ano após o estouro da crise não significa que todas estejam recuperadas. Ou seja, existem aquelas que estão muito bem e outras em dificuldades, o que distorce o dado agregado.
Nessa linha, segundo os especialistas, os setores ligados ao agronegócio são os mais vulneráveis neste momento, ainda que haja exceções.
O diretor-executivo da Galeazzi & Associados, Luiz Galeazzi, que também é vice-presidente da TMA, diz que o câmbio é o grande desafio deste momento para as empresas brasileiras, principalmente porque o dólar deve continuar desvalorizado. "E se o custo for concentrado em reais, a pressão aumenta", afirma.
Em relação à gestão de caixa, ele diz que sua consultoria costuma implantar um comitê multidisciplinar para avaliar cada gasto das companhias clientes. "Hoje mais do que nunca estão todos olhando para o caixa", afirma. Nesses comitês, todo o dinheiro gasto tem que ser justificado e passar pelo crivo dos demais integrantes.
Autor: Fernando Torres, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico (24/11/2009)