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Solução em Foco - Projeto de Lei 3/2024 (6ª Parte)

Capa

Moderação:
Adriana Dias, sócia TWK Advogados
Debatedores:
Bruno de Queiroz, sócio, Galeazzi e Associados
Gabriel Barretti, sócio da área de Special Situations do BTG Pactual
Gabriel Orleans Bragança, Sócio, SOB Advogado


No dia 16/05/2024, a TMA Brasil promoveu mais um evento da série “Solução em Foco – Projeto de Lei 3/2024” (6ª Parte).
Adriana Dias (sócia do TWK Advogados – “Adriana”) deu início à moderação com a observação de que, após algumas partes da série, o painel focará nos aspectos financeiros e econômicos do Projeto de Lei 3/2024 (“PL”), assim como em suas consequências. Após as apresentações, considerando que os debatedores possuem perfis distintos, destacou-se que cada um poderá trazer uma visão diferente sobre os assuntos.
Em primeiro lugar, ressaltando a surpresa de todos com a forma de tramitação e a urgência dada ao PL pela Câmara dos Deputados (inclusive no que tange à alteração substancial do texto inicial para a versão mais recente), Adriana perguntou aos debatedores se, dentro dos respectivos campos de atuação, já houve alguma repercussão econômica ou financeira desse PL.
Para Gabriel Barretti (sócio da área de Special Situations do BTG Pactual – “Barretti”), a questão central, na visão do Banco, é a estabilidade, uma vez que a incerteza traz volatilidade, que, por sua vez, aumenta o preço e as taxas de juros para os clientes. Desse modo, toda vez que uma alteração legislativa ocorre de forma acelerada e sem os necessários debates há receio sobre os impactos econômicos que podem ser causados. Em função disso, vários dos temas do PL já têm causado discussões internas e revisão das decisões tomadas nos caso. Por exemplo, as garantias são um tema bastante sensível, tendo em vista o cenário de impossibilidade de acessar o ativo dado em garantia, num cenário de insolvência e default – o que sempre assusta. Assim, embora se trate de um projeto de lei somente com aprovações legislativas ainda pendentes, o modo de decisão do BTG já tem sido revisto. Barretti também destaca que o PL tem alterado a própria jurisprudência, mediante sua aplicação em casos recentes, como o do Grupo Coteminas.
Para Bruno Queiroz (sócio do Galeazzi e Associados – “Bruno”), a instabilidade jurídica também é um ponto grave. Nesse sentido, a Lei 11.1001/2005 é recente e já foi modificação pela Lei 14.112/2020, de maneira que há alteração legislativa recente. Depois, houve a construção do PL, que, em sua versão inicial, estava sendo muito bem feita e era fruto de discussões com os agentes ligados à insolvência. Essa primeira construção viria para resolver pontos específicos que não foram endereçados na última reforma até que, num fim de semana, a redação mudou totalmente. Diante disso, há uma insegurança para todo o sistema sobre como a norma ficará. Na visão de Bruno, é preciso dar tempo para que as coisas se consolidem e, nesse caso, não houve tempo suficiente sequer para as alterações promovidas pela Lei 14.112/2020, que possui dispositivos ainda não testados. Esses pontos impactariam não apenas empresas em crise, mas todo o sistema. Há, por exemplo, uma tentativa do Ministério da Fazenda de diminuir o spread bancário e o custo de crédito, enquanto o Poder Legislativo faz um movimento em aparente contrassenso. É preciso ver o que acontecerá no Senado.
Para Gabriel Orleans Bragança (sócio do SOB Advogados – “Gabriel”), há uma unanimidade nas discussões quanto ao PL e uma alteração legislativa não debatida com a sociedade é preocupante. Gabriel concorda que as alterações da Lei 14.112/2020 ainda não foram adequadamente experimentadas, pois não há jurisprudência sobre muitos temas. Houve, por exemplo, grandes modificações na falência. Quanto ao PL, a ideia original teria partido do Ministério da Fazenda e visava regular o plano de credores (isto é, o plano de liquidação na falência). No entanto, a redação mudou substancialmente na Câmara de Deputados e foram incluídos dispositivos que, ao menos para investidores, são questionáveis. Esses dispositivos podem aumentar consideravelmente o risco, assim como o retorno e a liquidez para os investidores. Alterar a análise de garantias, por exemplo, impactará o mercado como um todo. Por essas razões, um projeto de lei dessa espécie precisaria ser discutido pela sociedade antes de sua votação nas Casas, talvez até mesmo em audiência pública.
Na sequência, alterações específicas do PL foram levadas à discussão, começando com a nova redação do art. 49, §3º.
Segundo Gabriel Orleans Bragança, essa alteração adveio da Câmara dos Deputado e foi um dos motivos que levou o PL a ser aprovado com regime de urgência. Embora seja uma modificação muito significativa, houve debate por poucos players do mercado. Antes o devedor era protegido, durante o stay period, quanto aos créditos sujeitos e aos créditos não sujeitos no tocante à garantia de alienação fiduciária, por exemplo, caso o bem dado em garantia seja classificado como bem de capital e essencial às atividades da empresa. Os requisitos era, portanto, cumulativos: bem de capital (insumos utilizados na atividade da empresa até se chegar ao produto ou serviço final) e bem essencial (algo de difícil definição, porque tudo pode ser essencial à uma empresa que está em crise). A alteração do PL estabelece que o bem pode ser de capital ou essencial, de modo que as duas modalidades estarão protegidas pelo stay
period, excluídos crédito e dinheiro. Haverá discussão sobre quais os bens que seriam de capital, não essenciais e que não são crédito ou dinheiro. É muito comum, por exemplo, que, em casos de trading agrícola, o produto final seja a soja ou o outro componente agrícola produzido. Essas operações serão muito afetadas, assim como (i) investimentos via CRA, nos quais normalmente um produto agrícola é recebido; (ii) marcas; e (iii) ações, protegidas inclusive recentemente pelo juízo na recuperação judicial do Grupo Coteminas.
Nesse ponto, Adriana questionou se a referida alteração causou surpresa, porque já existiam precedentes alargando o conceito de bem de capital. Apesar disso, prevalece o entendimento do STJ sobre bem de capital e bem essencial.
Em adição, Gabriel pontuou que o art. 49, §3º especificamente foi alterado, mas o art. 6º, §7º-A foi mantido, o que significa que a interpretação sobre bem de capital e bem essencial é favorável em hipóteses de garantia fiduciária. No entanto, para operações de trading agrícola em que o produto seria somente de capital (não essencial), haveria proteção do mesmo modo, porque o art. 6º, §7º-A não foi alterado.
Barretti concordou que é difícil definir o que é bem de capital essencial, apesar de existir jurisprudência do STJ sobre o conceito de bem de capital em razão do amplo debate existente sobre o tema. Além da recuperação judicial recente do Grupo Coteminas, o caso mais emblemático seria o da Braskem: quando a Odebrecht estava em recuperação judicial, havia uma alegação de que, após a crise financeira, os ativos remanescentes e que precisavam ser protegidos eram as ações da Braskem. Essas ações, em realidade, eram uma ativo totalmente correlacionado, isto é, um investimento que a Odebrecht tinha, sendo titular de cerca de 1/3 de uma companhia, junto com a Petrobras. Na época, houve decisão favorável proferida pelo juízo de São Paulo que reconheceu a essencialidade desse bem, porque, como a Odebrecht não tinha recurso, os bancos credores poderiam excutir as garantias existentes e não seria possível pagar as dívidas da empresa. Essa decisão foi revista posteriormente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, mas demonstra como uma ação, que não tem caráter de bem essencial justamente porque é um investimento, pode ser protegida. Além disso, houve decisão recente no caso do Grupo Coteminas protegendo ações detidas por uma das sociedades recuperandas. Com a alteração do PL entre bem de capital e bem essencial, os conjuntos, que antes tinham uma interseção, passam a ser separados e há maior liberdade para que o juiz defina o que é bem de capital e o que é essencial. Além disso, foi editado um enunciado pelo FONAREF que afirma que cabe ao juízo recuperacional definir o que é um bem essencial ou não – com o que Barretti concorda, mas entende que há uma abertura muito grande no conceito. A partir dessa abertura, o risco é de que toda a lógica do mercado de que adquirir uma ação, como um investimento e com a premissa de que, em caso de insucesso do negócio, essa ação poderá ser excutida, será alterada. Portanto, duas consequências poderão ser aplicáveis: aumento de preços ou não aceitação dos ativos tradicionais (como ações) e busca de outros bens que nada tem que ver com o ativo e podem
servir como garantia (como aval). Por fim, a exclusão de crédito e dinheiro (i) deu um pouco mais de conforto, mas há questões que continuam não abrangidas, como tradings agrícolas; e (ii) não foi acompanhada de expressões técnicas corretas, como “moeda corrente nacional”.
Na mesma linha, Bruno ressaltou o risco na alteração das garantias que serão aceitas pelos credores, porque, em muitas ocasiões, o devedor pode não ter aquela garantia a oferecer. Muitas empresas não possuem bens que não são essenciais. Por consequência, o crédito não será concedido ou uma outra estrutura será montada que pode não ser favorável. Como dito antes, faltou ao PL ouvir os players envolvidos, porque a redação atual trará um cenário de quase inviabilidade da concessão de garantias. Além disso, alguns precedentes já estabelecidos e que levaram tempo de construção serão afetados por uma mudança legislativa repentina.
Como mencionado por Adriana, outra alteração significante do PL diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica, hoje requerida de forma incidental, como forma de cobrança do crédito dos coobrigados e com bastante liberdade ao credor. O PL define a competência exclusiva do juízo falimentar para esse incidente, limita a legitimidade do pedido e estabelece que qualquer efeito para os acionistas só ocorrerá após o trânsito em julgado da decisão que decretou a desconsideração (alterações dos parágrafos 1º, 4º e 5º do art. 82).
Segundo Adriana, a corrida contra os bens do devedor é direcionada aos coobrigados, a partir da desconsideração, e atrapalha o próprio concurso de credores na falência. Por isso, do ponto de vista do sistema de insolvência e da ordem legal de preferência, o dispositivo faria sentido. O devedor teria a oportunidade de organizar essa corrida e estabelecer um concurso organizado.
Para Gabriel, o fundamento da desconsideração é um ato episódico que faz com que a personalidade jurídica seja considerada ineficaz. Sendo algo específico, não faria sentido que o procedimento tramitasse no juízo universal, quando diz respeito a somente um credor. Além disso, um credor pode ter requerido inicialmente a desconsideração, após grandes investimentos com pesquisa patrimonial, e será prejudicado quando a discussão for levada ao juízo universal. O efeito prático do dispositivo é que a desconsideração será equiparada ao incidente iniciado na falência, de modo que créditos eventualmente atingidos serão repartidos entre todos os credores da massa falida. Além disso, os procedimentos concursais têm menor celeridade quando comparados à uma execução individual, o que também será um problema. Condicionar os efeitos ao trânsito em julgado da decisão também afetará bastante a celeridade. Ademais, a redação do PL para o art. 82-A, §5º inclui, além de sociedades falidas, empresas em recuperação judicial em que não haveria um estágio de concurso de credores em si.
Nesse aspecto, Bruno pontuou que a ideia original do PL era trazer celeridade à falência e, portanto, as alterações relativas à desconsideração da personalidade jurídica estão no sentido oposto.
Quanto à alteração na legitimidade, Barretti ressaltou que o PL retira a possibilidade de que aqueles diretamente interessados na reparação do direito requeiram a desconsideração de personalidade jurídica. No mais, o administrador judicial pode não estar preocupado nessa reparação específica. Barretti entende que essa limitação corresponde a expurgar o direito de ação do interessado. Além disso, o trânsito em julgado demora anos ou sequer acontece na maioria dos casos, de modo que a desconsideração, na prática, não produzirá efeitos.
Adriana concordou que esse dispositivo que se refere ao trânsito em julgado não é bom, mas o PL seria uma tentativa de melhorar alguns pontos. Em sua visão, um dos temas que poderia ter sido abordado no PL foi a união dos credores detentores de cessão fiduciária, em processo incidental à recuperação judicial, para o qual os recebíveis seriam destinados e divididos pro rata, conforme decisão recente do Desembargador Grava Brazil.
Ainda sob o aspecto da celeridade, Adriana destacou que um dos temas amplamente regulados no PL é o plano de ativos na falência. O administrador judicial ou gestor fiduciário passa a ter o dever de apresentar um roteiro do que acontecerá na falência. Na visão de Adriana, quando um instituto é criado, não devem existir tantas as regras, porque os interessados devem primeiro observar como o dispositivo será aplicado.
Entre as diversas alterações no art. 82 pelo PL, Gabriel mencionou a sensibilidade de que os credores que não tenham expectativa de pagamento, na visão do administrador ou do gestor, não tenham direito a voto (art. 82-D, II). É comum que novos bens sejam descobertos no curso da falência, de modo que uma expectativa de pagamento ou não pode estar incorreta. Além disso, podem ser alvo de discussões: (i) o art. 82-D, §4º, II, porque o plano pode prever tratamento não isonômico entre credores; (ii) o art. 82-E, §1º que estabelece que o administrador e o gestor não serão responsabilizados por atos regulares praticados; e (iii) o prazo de 60 dias para a obtenção do plano de falência, o que pode ser agressivo ou otimista demais, considerando o estado da empresa e os diversos interesses dos credores.
De qualquer forma, todos concordaram que a ideia de reunir os credores e eles deliberarem sobre a realização de ativos (como já existe na lei atual) é positiva, porque esses são os principais interessados e devem ser os protagonistas na falência, sem tantas regras e inflexibilidade.
O PL contém, ainda, uma limitação quanto ao valor de venda de precatórios no âmbito da falência (art. 82-G). Segundo Bruno e Barretti, o ativo é normalmente já vendido com descontos grandes e, em geral, não corresponde a bem
valorizado no mercado, de maneira que colocar restrições não é factível. Além disso, os precatórios demoram anos até serem pagos no Brasil. Seria mais vantajoso que o mercado estabelecesse o valor do ativo e não que esse tivesse origem em disposição legal.
Por outro lado, como colocado por Adriana, uma alteração positiva do PL seria a previsão expressa de manutenção das características do crédito e do número de credores por cabeça quando há cessão de crédito (art. 41, §4º).
Como um dispositivo polêmico, Gabriel suscitou as modificações relativas às hipóteses de nova recuperação judicial da companha (quais sejam, a diminuição do prazo para que o devedor peça novamente recuperação e a proteção dos credores que detêm créditos novados no âmbito do primeiro processo – cf. art. 49, II, §§10º e 11º). Na visão de Adriana, esse dispositivo não será aplicável e os devedores tentarão ultrapassar essas regras para a nova recuperação judicial. Barretti concordou e acrescentou que a razão provável para a edição desse dispositivo foi o caso do Grupo Oi.
Segundo Gabriel, o art, 82-A, §6º também tem causado preocupações, sobretudo para instituições financeiras, ao prever a competência do juízo universal (tanto falimentar quanto Recuperacional) para os coobrigados. No entanto, os coobrigados não estão no processo de insolvência propriamente e, então, não deveria haver um concurso de credores dessa maneira. Nesse ponto, Adriana discordou, por entender que a única forma de assegurar as preferências legais e organizar os credores é o juízo universal. É possível, ainda, que determinadas garantias (como o aval) estejam excluídas dessa hipótese com base na redação do dispositivo.
Como encerramento, Adriana indagou se o PL teria perdido a oportunidade de endereçar alguma outra questão. De seu lado, o desejo seria de que todos os credores estivessem sujeitos à recuperação judicial e que existissem mecanismos para a preservação dos direitos relacionados às garantias, assim como outras formas efetivas de recuperação do crédito nesse contexto.
Para Barretti, o esclarecimento quanto à manutenção do status dos créditos após a cessão foi bastante importante, sob a perspectiva dos bancos. Além disso, um tema que lhe causa bastante desconforto é o uso abusivo das tutelas cautelares antecedentes, algo que o PL poderia ter endereçado. Adriana também concordou com esse aspecto, inclusive sob a perspectiva do devedor, porque não há clareza sobre os documentos necessários e a extensão das decisões judiciais.
Resumindo as discussões, Gabriel destacou que, em realidade, novas alterações legislativas não são necessárias. Precisamos processar as modificações já ocorridas e acompanhar as discussões a partir de então. No mesmo sentido, Bruno complementou que, se a ideia for modificar a lei, o mercado deve ser ouvido.

Autor(a)
Luísa Santos Fontes
Informações do autor
Advogada Veirano Advogados
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