Moderação:
Felipe Lollato, Sócio Lollato Lopes Rangel Ribeiro Advogados
Debatedores:
Filipe Aguiar de Barros, Coordenador Nacional de Falência e RJ da PGFN
Luiz Eduardo Abarno da Costa, Sócio Scalzilli Advogados e Associados
Silvania Tognetti, Sócia Tognetti Advocacia
Relatoria:
Gabriela Mânica, Advogada Souto Correa Advogados
No dia 07 de maio de 2024, a TMA Brasil promoveu mais um evento da série “Solução em Foco – Projeto de Lei 3/2024 (5ª Parte).
Rafael Lima abriu o evento agradecendo o apoio dos patrocinadores e passando a palavra ao Luiz Fabiano Saragiotto, Presidente do Conselho Administrativo da TMA. Luiz Fabiano compartilhou com o público a nova iniciativa do Comitê AME, da TMA, para canalizar doações em solidariedade com a calamidade na região Sul do país. Explicou que o Comitê Sul do TMA será responsável para auxiliar na escolha dos beneficiados da doação. Ainda, informou que o Evento da TMA que ocorreria presencialmente no Sul, no dia 15/05, será transferido e que o lucro do Evento será também doado. Finalizou agradecendo aos coordenadores do Comitê Sul e aos associados que têm se esforçado dia e noite para ajudar na medida do possível na tragédia.
Passada a palavra ao Moderador Felipe Lollato, iniciou parabenizando a TMA pela iniciativa e prestando solidariedade aos gaúchos. Após, agradeceu ao convite, apresentou brevemente os debatedores e esclareceu ao público que o tema do Evento será a análise de pontos do PL no âmbito tributário.
Iniciando sua fala, Luiz Eduardo, sócio do escritório Scalzilli Advogados e Associados, agradeceu ao TMA pela homenagem ao Rio Grande do Sul e pelo convite para participar do Evento. Antes de adentrar no tema, fez um relato sobre as enchentes ocorridas no Estado do Rio Grande do Sul, sobre o engajamento da população e sobre as preocupações com os próximos dias. Passando ao tema do PL no seu aspecto tributário, enfatizou que a principal crítica é quanto a sua rapidez e complexidade. Que a complexidade do tema é muito grande, de modo que não houve tempo suficiente para se fazer algo que efetivamente representasse uma contribuição, com aprovação muito rápida e ainda uma implementação mais rápida, o que vai causar uma série de problemas. Referiu que a participação da Fazenda não pode ser impositiva, porque não se tem estrutura para isso. Sustentou que, no aspecto tributário, na linha de tornar mais ágil o processo de falência ou de recuperação judicial, o PL coloca o Fisco em presença ainda maior dentro do processo. Nesse ponto, trouxe algumas preocupações pontuais, como a existência de prazos que são inverossímeis, impossíveis de cumprir; que os entes fiscais até podem participar do processo, mas que teriam que se preparar para isso; que existem prerrogativas funcionais e de competência que impedem a Fazenda de, por exemplo, votar com um único voto, quando tem a União e mais vários Estados credores da Massa Falida. Assim, sugeriu que talvez fosse o caso de haver, inclusive, alguma norma de transição – o que não há.
Além disso, trouxe 3 pontos que gravitam dentro da Lei 11.101/05:
1) Art. 7º-A (incidente de classificação de crédito): enfatizou que o incidente está sendo usado de maneira informal e muitas vezes não está sendo utilizado. A sugestão seria tornar esse incidente como obrigatório, o que poderia ser um ônus para a Fazenda, porque seria mais um processo, mas tornar obrigatório, com algum ajuste pontual, resolveria e racionalizaria a entrada do crédito tributário dentro da falência. Isso porque a Fazenda joga com duas frentes: ou habilita o crédito tributário dentro da falência ou se vale das penhoras nos rostos dos autos oriundas das execuções fiscais. Porém, em sua análise, são duas medidas que resolvem tecnicamente, mas que na prática não têm muita eficácia.
2) Participação das autoridades fazendárias na votação no âmbito de assembleias: entende que a forma como o PL faz sugestões de votação das Fazendas não vai funcionar, porque se sempre for chamada, e em tendo mais de um crédito fiscal, não vai ter agilidade. Fisco tem muitas informações e muitas demandas para tocar, Fazenda Nacional e Estaduais podem esbarrar o andamento do processo, porque existem prerrogativas funcionais que precisam ser obedecidas. Conclui que são necessárias regras de transição dentro do PL o quanto antes para que isso possa funcionar.
3) Art. 22, II, “s”: Entende que poderia dar fundamento à interpretação de que o administrador judicial estaria impedido de arrecadar valores depositados em execuções tributárias (ou ações) por causa da parte final do artigo. Porém, faz ressalva de que não haveria impedimento de arrecadar aqueles valores, porque tem que pagar os credores. Ou se faz uma interpretação de modo a acomodar essa disposição para que o administrador judicial respeite a ordem de pagamento ou se aproveita a oportunidade do PL para reformular a redação para acomodar os interesses de todos, inclusive do Fisco. Para Luiz, o Fisco deve receber após quem deve receber primeiro segundo a ordem de pagamento da falência.
Finalizada sua fala e retomada a palavra ao Moderador Felipe Lollato, este passou a palavra ao Filipe Barros, Procurador e Coordenador Nacional de Falência e Recuperação Judicial da PGFN.
Filipe Barros começou sua fala agradecendo ao convite da TMA e prestando solidariedade ao Estado do Rio Grande do Sul. Após, ingressando no tema sobre o Fisco, disse que todos devem buscar diálogo e abertura frente aos processos de reestruturação. Concordou em grande parte com a fala do Luiz e disse que tem pouco a ser aproveitado do PL da versão aprovada pela Câmara, pois o PL peca na técnica e tem disposições contraditórias. Concorda com a participação do Fisco de forma mais incisiva na falência e entende que o incidente de classificação de crédito tributário já é obrigatório.
Focou sua fala nas alterações que dizem respeito à transação, no final do PL, que dizem respeito às alterações da Lei 13.988/20 e que constam do acréscimo do §2º-A do art. 7º-A, da Lei 11.101/05
Sobre o PL, sua principal crítica está relacionada à tentativa de criar um direito subjetivo à transação fiscal em patamares máximos, o que, para ele, desincentiva a transação. Para Filipe, a transação deve ser algo discricionário, analisado caso a caso, com base na vantajosidade para o fisco e para o contribuinte, e não com base em obrigatoriedade ou só em patamares máximos. Pois, quando se cria um direito subjetivo, se desvirtua o objetivo da transação, que é justamente encontrar uma solução vantajosa para ambas as partes, e não simplesmente aplicar um desconto máximo de forma automática. Acredita haver violação de separação de poderes, do art. 171 do CTN e violação do pacto federativo. Quanto à recuperação judicial, deve acontecer uma análise do plano de recuperação judicial, prazos, garantias, como os outros credores estão sendo tratados, se vai ser utilizado o prejuízo e base negativa. Quanto à massa falida, sustenta que deve haver uma análise da efetividade de pagamento a partir da análise de patrimônio. Se a capacidade demonstra que pode dar menor desconto, não haveria razão para dar um desconto maior.
Outro ponto grave sustentado por ele foi o direito subjetivo de utilização de prejuízo fiscal e base negativa na transação de forma ilimitada e permitir a utilização de prejuízo e base negativa de terceiros sem nenhuma restrição. Ressaltou que há contradições no PL quanto ao ponto e que pode se chegar no cenário em que a transação seja paga totalmente com o prejuízo fiscal. Destacou também que há no PL ampliação da transação para créditos não inscritos em dívida ativa e que não são objeto de litígio, o que, para ele, parece haver violação ao art. 171 do CTN, que restringe a transação a créditos em litígio. Disse que o PL parece aplicar direito subjetivo à utilização de supostos direitos creditórios na transação, inclusive de terceiros, que traz um problema da forma como colocada no PL porque na transação há também o FGTS, podendo ser um problema utilizar um precatório federal para pagar o FGTS ou vice-versa, não estando bem clara no PL. Ainda, pontuou que o PL inclui também as empresas em recuperação extrajudicial no rol de recuperabilidade presumida e nesse ponto ele concorda. Entende que o projeto podia ter aproveitado para definir o que que é empresa em recuperação extrajudicial e qual é o período, porque não há um prazo claro. Além disso, sustentou que o PL também cria isenções de tributos de forma indiscriminada, principalmente sobre o ganho de capital na alienação de ativos por falidas e em liquidação, sendo que esse ponto específico já foi tratado na reforma de 2020 e esqueceram das recuperandas.
Por fim, resumiu que todas as alterações quanto à transação têm uma clara criação ou ampliação do benefício fiscal sem observância das normas de responsabilidade fiscal, havendo uma inconstitucionalidade de forma generalizada da proposta por violação à lei de responsabilidade fiscal, por violação à lei de diretrizes orçamentárias e por violação ao art. 113 do ADCT e espera que o Senado e a Câmara se atentem para isso.
Finalizou agradecendo a todos e se colocando à disposição.
Retomada a palavra ao Moderador Felipe Lollato, passou a palavra à Silvania Tognetti, sócia da Tognetti Advocacia
Silvania Tognetti iniciou sua fala agradecendo ao convite do TMA, enfatizando a alegria por estar acompanhada de outros tributaristas para tratar sobre o Fisco no cenário de reestruturação e falências e prestando solidariedade ao povo do Rio Grande do Sul, que está sofrendo bastante com as enchentes, salientando que, se tem um povo resiliente, é o pessoal do Sul.
Sobre o PL, enfatizou, inicialmente, não entender a razão pela qual já está se querendo modificar a lei de recuperação e falências em tão pouco tempo depois de uma recente reforma legislativa. Destacou que passamos anos debatendo uma reforma, produzimos alterações e agora, em pouco tempo, já querem fazer uma série de modificações em coisas que nem vimos funcionar ainda, o que mostra que não se aprendeu sobre o mínimo ciclo de gestão de mudanças, onde se planja, aplica, verifica o que deu errado e planeja de novo com chances maiores de acertar. Em que pese a justificativa que se fala é sobre a necessidade de agilidade, entende que, quando há demora, é porque tem normalmente muitos pontos jurídicos que ainda não foram definidos pelo Poder Judiciário e que a preocupação deveria ser de maximização de valores que se está entregando em prol de uma velocidade que querem e que, ao mesmo tempo, não vai acontecer, por ser inexequível. Essa é a crítica de Silvania do PL como um todo.
Quanto ao tema tributário, disse se preocupar com o protagonismo que está dando à Fazenda Pública. Ressalta que, quando se dá um direito, precisa atribuir também uma responsabilidade. Se quer trazer a Fazenda, teria que dar uma responsabilidade diferente. E, quanto ao ponto, o PL tenta fazer isso criando medidas automáticas. O problema disso é que “coisas automáticas” vai contra a lógica do instituto da transação. Entende que a responsabilidade da Fazenda Pública dentro do procedimento ainda não foi atribuída e deve ser feita, de modo que a Fazenda tenha parcela de contribuição para se chegar na maximização de valores.
Entende que há uma dificuldade da Fazenda Pública de entender que bens têm valores e acabam atropelando as coisas. No ponto, cita que há casos em que uma empresa às vezes tem imóveis suficientes para pagar toda dívida tributária com sobra. Porém, se os bens forem vendidos em leilão, não pagaria 1/3 da dívida. Assim, questiona: qual a vantagem de uma execução forçada, se os bens integrais da empresa podem pagar toda dívida tributária? Sustenta que essa responsabilidade deveria ser atribuída à Fazenda Pública para que possa receber o protagonismo dentro do contexto da insolvência.
Disse também que se preocupa em a Fazenda Pública escolhendo gestor judiciário, porque não saberia qual seria o critério. Entende que não há, na Fazenda Pública, um setor específico com lógica de gestão de ativos privados, que é diferente de ativos públicos. Tem medo de ser um incentivo contrário para estimular a falência, para alguém que não compreendeu a sistemática, porque parece haver falta de estímulo para a Fazenda pública se preocupar com a necessidade de continuidade da empresa. Nesse cenário, cita também que o PL pode ser um desincentivo ao próprio empreendedorismo, porque tira muito a participação do falido, que só vai ter que se preocupar muito em não dar causa ao incidente de desconsideração de personalidade jurídica, tirando qualquer expectativa de sobrar algo para ele.
Quanto ao tema da desconsideração da personalidade jurídica, acha que vai criar muita polêmica como está no PL e entende que discutir sobre, no caso concreto, torna as decisões muito mais assertivas. Sustentou que trazer todo mundo para discutir o tema vai poluir muito e vai ficar mais difícil para a Fazenda Pública separar o empresário que de fato precisa do instituto e aquele que utilizou equivocadamente do instituto. No ponto, sugere que fique à cargo dos processualistas para se pensar em como fazer o procedimento dentro da falência, pois tem necessidade de se pensar como fazer dessa discussão não se tornar o grande entrave dentro de uma situação em que se busca celeridade.
Sobre a utilização de prejuízo e base negativa, entende que, se não tivéssemos as travas para utilização de prejuízo e base negativa, talvez concordasse que é um absurdo transformar uma situação de prejuízo e base negativa a tal ponto de poder fazer com que a Fazenda Pública ainda saia sem receber nada porque tudo foi absorvido por prejuízos e base negativa. Como existe essa trava, sustenta que, na prática, o que se tem é que existem empresas em momento que elas não tinham mais condições ou que não tinham ainda condições, já pagando imposto. Então esse efeito que acontece no tempo parece razoável que as contas sejam acertadas no momento que a empresa acabou, porque, dependendo do histórico da empresa, esse prejuízo até foi pago, porque a empresa tinha prejuízo, não se recompôs e seguiu pagando imposto. Considera na sua fala que o volume de prejuízo e base negativa que existe nas empresas no país mostra que há algo muito errado. Em parte, entende que é o fato de forçar a empresa a não usar o prejuízo ou a base negativa, porque acaba represando e aquilo vai se somando. As empresas vivem ciclos, a tendencia é que a empresa melhore e pague impostos completamente, aí depois piora e assim vai. Acha que se no final fosse fazer uma conta em cima desse ciclo ia se chegar a uma conclusão de que talvez esses prejuízos e base negativa que estão sendo utilizados para pagar essa dívida nada mais são do que reposição de valores que foram antecipados e que não deveriam ter sido, porque se a empresa não estava em condição ela deveria ter se aproveitado desse prejuízo e base negativa na vida corrente dela.
Ao final, disse que o tema do ganho de capital na falência é o que mais a revolta, porque “ganho de capital” tem uma ideia de capacidade contributiva, de modo que é tributado com muita justiça, que é tudo o que não tem em uma empresa em falência. Assim, finaliza dizendo que é um absurdo falar em ganho de capital no momento em que a empresa faliu e entende que deveria haver isenção de tributação para falência e inclusive para recuperação judicial. Finalizada sua exposição, devolveu a palavra ao Moderador.
Retomada a palavra ao Moderador, questionou se algum dos debatedores gostaria de se manifestar.
Filipe Barros iniciou parabenizando a exposição da Silvania e concordando em parte com as considerações dela, e, após, comentando que pode haver isenções fiscais, mas que deve haver sempre o cumprimento das disposições da lei de responsabilidade fiscal. Acha inadequado criar normas de isenção sem respeitar outras regras que o próprio congresso criou. Além disso, concorda que deve haver o empoderamento de todos os credores, inclusive o Fisco, mas que a forma disso ser feito tem que ser discutida e soluções podem ser pensadas. Acha que muito provavelmente o Fisco não estaria presente na maioria das assembleias por falta de estrutura de pessoal e focaria na atuação em grandes casos.
O Moderador questionou ao Filipe o que seriam os grandes casos e Filipe respondeu que seria um caso entre 50 milhões e 1 bilhão de dívida com o Fisco, o que poderia variar com região.
Após, em considerações gerais, Luiz comentou que o PL tem disposições contrárias sobre a transação e destacou problemas próprios da transação. No ponto, disse que o tempo de análise da transação é muito grande, é pouco pessoal para muito pedido e há necessidade de achar solução para esse problema e complementou destacando sobre a problemática de transacionar sobre FGTS e o problema de pagamento de INSS da cota dos empregados que pode virar um problema operacional. Sobre a votação da Fazenda no processo, levantou preocupação sobre como irão se operar os votos em uma única votação, em que se vota pela aprovação ou rejeição do plano. Por fim, conclui que não consegue ver prejuízo fiscal como benefício fiscal, mas sim como consequência da atividade.
O Moderador colocou em pauta, assim, a seguinte pergunta feita no chat:
Qual a opinião dos colegas sobre o conflito que se dá quando a Recuperanda precisa apresentar a CND para cumprir o art. 57, mas está impedida de transacionar por haver inadimplido transações antigas?
Filipe: Provavelmente a estratégia seria de segurar os dois anos para sair da penalidade. Se isso não acontecer, o que seria difícil, vai ter que buscar outra solução, ainda que temporária, de regularização do passivo fiscal que não envolva a transação. Pode buscar parcelamento, questionar uma parte das dívidas, garantir as dívidas e depois de um tempo buscar a transação em outras condições. O momento do art. 57 é momento processual específico, em tese até lá já ultrapassou essa fase.
Outro ponto que destacou é a questão da estruturação das equipes que vão analisar essas transações. Hoje, disse que há uma defasagem muito grande de pessoal capacitado para realizar essas análises de forma eficaz, de modo que é necessário aprimorar a estrutura das equipes de análise de transações, padronizar as rotinas, definir critérios claros e objetivos para a análise dessas transações, para que a se consiga, de fato, ter um resultado positivo.
Silvania: O art. 57 é regra importante de moralização para evitar a recuperação judicial como estratégia para não pagar tributo, mas ao mesmo tempo é cruel porque lida com o tempo e é difícil cumprir porque determina o cumprimento em um péssimo momento processual. Entende que o melhor caminho era trazer a Fazenda Pública para dentro da recuperação judicial, com regras próprias, para sentir os efeitos do processo. Por fim, entende que temos que ser rápidos para evitar que o PL saia do jeito que está.
Luiz: O art. 57 é o fantasma da LREF já há muito tempo. Diz que, normativamente, há impossibilidade de transacionar nesse cenário e não há exceção para empresas em insolvência. É uma questão normativa interpretativa. Entende que seria o caso de fazer contato com a procuradoria para tentar algo ou então judicializar a questão. Concluiu que há necessidade de agilizar os movimentos para que as coisas não se tornem vigentes com toda essa problemática.
O Moderador encerrou o debate agradecendo ao TMA e a participação de todos.