
AQUISIÇÃO DE ATIVOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E NA FALÊNCIA: RISCOS E SEGURANÇA JURÍDICA
DOUGLAS MARQUES DA SILVA
Especialista em Insolvência Empresarial
Advogado
PAINELISTAS: EXMA. Moderadora Dra. Fernanda Piva (Advogada na área de reestruturação e insolvência. Doutora em Direito Comercial pela USP); EXMA. Debatedora Dra. Hayna Bittencourt (Sócia no escritório Bumachar Advogados); EXMO Debatedor Dr. Rodrigo Garcia (Sócio no Galdino, Pimenta, Takemi, Ayoub, Salgueiro, Rezende de Almeida Advogados); EXMA. Relator: Dr. Douglas Marques da Silva (Sócio do escritório Marques, Neri e Almeida Advogados Associados).
SUMÁRIO: RESUMO - 1. INTRODUÇÃO - 2. EXPOSIÇÕES E DEBATES - 2.1. A VENDA DE ATIVOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - 2.1.1. SUCESSÃO E BLINDAGEM PATRIMONIAL – ART. 60, § ÚNICO DA LEI 11.101 DE 2005 - 2.1.2. DEFINIÇÃO LEGAL DE UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA (UPI) - 2.1.3. AMPLIAÇÃO DAS GARANTIAS NO ART. 66 DA LEI 11.101 DE 2005 - 2.1.4. INCORPORAÇÃO DA TEORIA DA STATUTORY MOOTNESS - 2.1.5. AMPLIAÇÃO DAS MODALIDADES DE ALIENAÇÃO – ART. 142 DA LEI 11.101 DE 2005 - 2.1.6. A VENDA DIRETA DE ATIVOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
2.2. A VENDA INTEGRAL DA DEVEDORA E O ARTIGO 50, XVIII DA LEI 11.101/2005 - 3. A FALÊNCIA E A LIQUIDAÇÃO EFICIENTE DOS ATIVOS - 3.1. REFORMA DO ARTIGO 73: PROTEÇÃO AO ADQUIRENTE - 3.2. FASES DA FALÊNCIA E MAXIMIZAÇÃO DE ATIVOS - 3.3. PLANO DE REALIZAÇÃO DE ATIVOS: ARTIGO 99, §3º DA LEI 11.101 DE 2005 - 3.4 ALIENAÇÃO DE ATIVOS: FLEXIBILIZAÇÃO E CELERIDADE - 3.5. PARTICIPAÇÃO ATIVA DO FALIDO E ADMINISTRADOR JUDICIAL - 3.6. DADOS DO OBSERVATÓRIO DE INSOLVÊNCIA DA ABJ (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURIMETRIA) - 3.7. CASOS PRÁTICOS DE ALIENAÇÃO DE ATIVOS EM FALÊNCIA - 4. A FIGURA DO STALKING HORSE: EVOLUÇÃO, FUNÇÕES E LIMITES - 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS - 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PALAVRAS-CHAVE: Recuperação Judicial – Falência – Venda de Ativos – Stalking Horse – Lei 11.101/2005 – Lei 14.112/2020 – Segurança Jurídica.
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar os principais avanços legislativos promovidos pela Lei 14.112/2020 que alteraram a Lei 11.101/2005 no tocante à alienação de ativos no âmbito da recuperação judicial e da falência, à luz das discussões apresentadas no painel de Insolvência do qual participaram os especialistas Fernanda Piva, Rodrigo Garcia e Hayna Bittencourt. Os especialistas examinaram o novo regime jurídico da venda de ativos, com especial enfoque na mitigação de riscos, no fortalecimento da segurança jurídica para investidores e na ampliação das modalidades de alienação previstas em lei.
- INTRODUÇÃO
A venda de ativos é, tradicionalmente, um dos instrumentos mais relevantes para a reestruturação financeira de empresas em crise como acertadamente apontado por Fernanda Piva, sobretudo ao considerar que a alienação de ativos no contexto de insolvência representa um dos meios mais eficazes de obtenção de recursos, sobretudo diante da dificuldade de acesso ao crédito em momentos críticos.
- EXPOSIÇÕES E DEBATES
O presente artigo baseia-se nas discussões promovidas durante o painel técnico do Turnaround Management Association Brasil (TMA Brasil). As falas de Rodrigo Garcia, Hayna Bittencourt e Fernanda Piva foram sistematizadas em tópicos temáticos para refletir os principais avanços legislativos e desafios na aplicação prática dos dispositivos que regulam a alienação de ativos em processos de recuperação judicial e falência.
Dito isto, a primeira discussão que será abordada brevemente será a venda de ativos na recuperação judicial.
Segundo Fernanda Piva, a alienação de ativos nos procedimentos de recuperação judicial é prática consolidada e essencial para obtenção de liquidez em momentos críticos da empresa. Ela destacou que, com a promulgação da Lei 14.112/2020, houve modificações expressivas nos artigos 60 e 66 da Lei 11.101/2005, ampliando a segurança jurídica dos investidores e abrindo novas possibilidades procedimentais.
De acordo com Rodrigo Garcia, a reforma trazida pela Lei 14.112/2020 representa um verdadeiro marco para a segurança jurídica nas operações de venda de ativos em processos de insolvência. Com experiência acadêmica e prática sobre o tema desde 2019, quando desenvolveu sua dissertação de mestrado sobre stalking horse, o especialista destacou cinco avanços ou melhorias fundamentais introduzidas pela reforma.
2.1.1. SUCESSÃO E BLINDAGEM PATRIMONIAL – ART. 60, § ÚNICO DA LEI 11.101 DE 2005
A primeira melhoria refere-se à maior clareza conferida ao parágrafo único do artigo 60 da Lei de Recuperação Judicial, que passou a afastar expressamente qualquer tipo de sucessão de obrigações – inclusive trabalhistas – para o adquirente do ativo.
Segundo Rodrigo Garcia, essa melhoria foi crucial para consolidar a interpretação de que o dispositivo abrange todas as dívidas da recuperanda, garantindo a chamada “compra limpa” (clean and clear). Destaca-se o uso da estrutura de drop down, que isola o ativo em uma nova sociedade, cujas ações são então vendidas, protegendo o comprador de contingências ocultas e reduzindo custos com due diligence e litígios futuros.
2.1.2. DEFINIÇÃO LEGAL DE UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA (UPI)
A segunda melhoria abordada foi a definição expressa do que se entende por UPI no novo artigo 60 da Lei de Recuperação Judicial e Falências. Rodrigo Garcia destacou que, antes da reforma, o conceito de UPI era nebuloso e muitas vezes confundido com estabelecimento empresarial. Atualmente, qualquer ativo – inclusive intangíveis ou precatórios – pode ser considerado uma UPI e, portanto, beneficiário da blindagem patrimonial prevista no § único do art. 60 da LRF.
2.1.3. AMPLIAÇÃO DAS GARANTIAS NO ART. 66 DA LEI 11.101 DE 2005
A terceira inovação ou melhoria foi a introdução do § 3º ao artigo 66 da LRF que trata da venda de ativos fora do plano de recuperação.
A alteração eliminou dúvidas sobre a possibilidade de aplicação da blindagem patrimonial também nessas hipóteses, consolidando a segurança jurídica da operação mesmo quando realizada de forma autônoma em relação ao plano.
2.1.4. INCORPORAÇÃO DA TEORIA DA STATUTORY MOOTNESS
O quarto avanço apresentado por Rodrigo Garcia reside na adoção da teoria da statutory mootness, oriunda da legislação falimentar norte-americana, e agora incorporada ao ordenamento brasileiro por meio do artigo 66-A da LRF.
Conforme explica Rodrigo Garcia, a norma assegura que a venda de um ativo, uma vez realizada de boa-fé e sem efeito suspensivo de recurso, não poderá ser desfeita. Essa inovação evita a eternização de disputas judiciais e o consequente desincentivo a investimentos, inspirando-se no § N do artigo 363 do Bankruptcy Code norte-americano.
O especialista destacou ainda a contribuição doutrinária do Professor Eduardo Munhoz, que anteriormente já defendia a aplicação da equitable mootness no Brasil antes mesmo da reforma, como forma de impedir o desfazimento de negócios jurídicos consumados.
Com a nova lei, a previsão legal expressa substitui a necessidade de construção jurisprudencial.
2.1.5. AMPLIAÇÃO DAS MODALIDADES DE ALIENAÇÃO – ART. 142 DA LEI 11.101 DE 2005
Por fim, a quinta melhoria citada por Rodrigo Garcia refere-se à ampliação das formas de alienação de ativos, agora previstas no artigo 142 da Lei de Falências.
Antes da reforma, o rol se restringia ao leilão, pregão e propostas fechadas. Rodrigo Garcia relembrou a flexibilização jurisprudencial que permitiu a introdução de institutos como o stalking horse e o credit bidding.
Com a reforma, os incisos IV e V do artigo 142 da LRF permitem: (i) a utilização de agentes especializados para condução do procedimento competitivo; e (ii) a adoção de qualquer modalidade de alienação de ativos, inclusive venda direta, desde que respeitados os princípios da maximização do valor do ativo e da transparência processual.
O inciso V, do mesmo diploma legal segundo Garcia, representa uma “carta em branco” para inovações, como a lógica do melting norte americano (oferta espontânea de valor pelo ativo) e estruturas mais sofisticadas com a participação de credores e investidores estratégicos.
O especialista ainda destacou, ainda, a possibilidade de estruturar operações através do mecanismo de “drop down”, isolando ativos em sociedades que poderão ter suas cotas alienadas com a blindagem dos passivos. Essa estrutura reduz riscos segundo Garcia, dispensa a realização de due diligences trabalhosas e reflete diretamente no preço final da operação, ao estimular a disposição dos investidores em pagar mais pelo ativo limpo.
2.1.6. A VENDA DIRETA DE ATIVOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Fernanda Piva destacou a influência da Escola de Chicago na tese desenvolvida por Rodrigo Garcia, com diversas menções a teorias econômicas. Ela ressaltou a importância dos processos competitivos privados para garantir a maximização do valor dos ativos.
Piva concorda com a possibilidade de venda direta de ativos, conforme previsto no artigo 142 da Lei de Falências, especialmente após a inclusão do inciso V. No entanto, ela observa que ainda há resistência e falta de coragem para realizar essas vendas diretas, devido à tradição de vendas por leilão.
Em sua experiência, os processos competitivos ainda são a regra, mesmo que as inovações trazidas pelo artigo 66 da LRF sejam mais céleres.
Rodrigo Garcia compartilhou que nunca presenciou uma venda direta pelo artigo 66 da LRF, mas citou o caso da VPLAN, que chegou ao STJ, baseado nos artigos 144 e 145 da redação anterior da lei.
Ele argumenta que a lógica dessa venda é aplicável também ao artigo 66 da LRF. Garcia enfatiza que a venda direta pode ser justificada quando a empresa precisa de dinheiro rápido, e o ativo possui risco de deterioração elevado ou custos de conservação altos. Ele exemplifica que ativos como plantações que necessitam de investimento imediato para evitar perdas. Garcia conclui que, embora a lei permita, ainda são necessários profissionais corajosos para realizar essas vendas diretas.
Para concluir este tópico, Piva concorda, acrescentando que maximizar o valor do ativo não significa seguir sempre o mesmo caminho. Um leilão demorado pode, em alguns casos, deteriorar o preço do ativo, sendo necessário abrir a mente para diferentes estratégias de maximização de valor.
Fernanda Piva abordou a venda integral da devedora, recentemente inserida no artigo 50, inciso XVIII da LRF, como um novo meio de recuperação judicial. Ela questionou se essa venda representa a alienação de todos os ativos ou do próprio CNPJ da empresa. Piva mencionou que, embora o artigo 66 da LRF não faça menção explícita à unidade produtiva isolada (UPI), está claro que qualquer ativo vendido na forma do artigo 142, aprovado pelos credores, pode ter proteção contra sucessão de obrigações.
Rodrigo Garcia explicou que, antes da reforma da Lei de Falências, havia diferentes correntes de entendimento sobre a venda integral da empresa. Algumas permitiam a venda com responsabilidade do comprador por todo o passivo; outras exigiam que sobrasse alguma atividade remanescente; e outras condicionavam a venda ao pagamento dos credores não sujeitos.
A reforma buscou, portanto na percepção de Rodrigo, positivar a venda integral como meio de recuperação judicial, permitindo uma liquidação ordenada sem a necessidade de decretar falência da devedora.
Garcia destacou que, para realizar a venda integral, é necessário garantir que os credores extraconcursais recebam, no mínimo, o que receberiam em caso de falência. Ele citou o caso do Hospital São Lucas de Taubaté, onde se tentou realizar a venda integral, mas a falta de informações e avaliações adequadas levou o tribunal a suspender a venda.
Garcia conclui que, embora a lei tenha avançado, ainda é necessário desenvolver doutrina e jurisprudência para dar mais segurança jurídica a essas operações.
Piva concordou com Rodrigo Garcia, observando que a análise de liquidez pode ser complexa e gerar litígios, especialmente em relação a premissas e exercícios futuros. Ela passou a palavra para Hayna Bittencourt, que também participou de um caso relevante de venda integral da devedora como será visto no próximo tópico.
- A FALÊNCIA E A LIQUIDAÇÃO EFICIENTE DOS ATIVOS
Hayna Bittencourt destacou que a reforma da Lei de Falências visa a maximização do valor dos ativos, prevendo medidas como a falência continuada e a obrigatoriedade de apresentação do plano de realização de ativos. Criticou a morosidade do processo falimentar no Brasil. Ressaltou, ainda, a importância das mudanças na lei de Falências e citou como exemplos bem-sucedidos como será exposto nos próximos subtópicos.
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- REFORMA DO ARTIGO 73: PROTEÇÃO AO ADQUIRENTE
A recente reforma da Lei nº 11.101/2005 trouxe mudanças significativas, especialmente no §2º do artigo 73, que trata do esvaziamento da devedora.
Segundo Hayna Bittencourt, essa alteração beneficia os adquirentes ao eliminar a obrigatoriedade de realizar um estudo de viabilidade econômica da devedora.
Isso proporciona maior segurança jurídica e facilita operações de aquisição, como exemplificado no caso da venda integral de uma mina de ouro, onde o comprador assumiu ativos e passivos, inclusive extraconcursais, conforme determinado pela lei e mediante processo competitivo.
3.2. FASES DA FALÊNCIA E MAXIMIZAÇÃO DE ATIVOS
Após a decretação da falência, inicia-se a fase de sindicância, onde são apuradas as razões da falência e verificados ativos e passivos. Em seguida, vem a fase de liquidação, onde os ativos são arrecadados, avaliados e vendidos.
Historicamente, as falências apresentavam um índice de pagamento modesto, com falências superavitárias sendo raras.
A reforma de acordo com Hayna Bittencourt buscou maximizar o valor dos ativos, introduzindo a possibilidade de falência continuada, que permite a manutenção das atividades da empresa durante o processo falimentar, visando preservar o valor dos ativos e facilitar sua alienação.
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- PLANO DE REALIZAÇÃO DE ATIVOS: ARTIGO 99, §3º DA LEI 11.101 DE 2005
O §3º do artigo 99 da LRF na visão de Hayna Bittencourt estabelece que, após decretada a falência ou convolada a recuperação judicial em falência, o administrador judicial deve apresentar, no prazo de até 60 dias, um plano detalhado de realização dos ativos, com estimativa de tempo não superior a 180 dias a partir da juntada de cada auto de arrecadação.
Na prática, ainda são poucos os casos em que esse plano é apresentado pelo administrador judicial. Hayna Bittencourt citou um caso em que o próprio falido, visando acelerar o processo falimentar apresentou o plano de realização de ativos para se beneficiar dos benefícios do chamado " fresh starts".
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- ALIENAÇÃO DE ATIVOS: FLEXIBILIZAÇÃO E CELERIDADE
De acordo com Hayna Bittencourt a reforma também trouxe mudanças importantes no artigo 142 da LRF, ampliando as modalidades de alienação de bens, incluindo leilão eletrônico, presencial ou híbrido, processo competitivo organizado por agente especializado e outras modalidades aprovadas nos termos da lei.
Hayna Bittencourt destacou o artigo 142 da LRF estabelece que as alienações realizadas nos termos deste artigo não se sujeitam à aplicação do conceito de preço vil do Código Civil, permitindo uma alienação mais célere e eficiente.
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- PARTICIPAÇÃO ATIVA DO FALIDO E ADMINISTRADOR JUDICIAL
A Dra. Hayna Bittencourt enfatiza a importância do protagonismo do falido e da criatividade do administrador judicial na identificação de modalidades alternativas de alienação de ativos, além do leilão tradicional.
A utilização do "stalking horse", por exemplo, pode atrair mais interessados e maximizar o valor dos ativos.
E a flexibilidade prevista nos artigos 144 e 145 da LRF permite que o juiz autorize outras modalidades de alienação, observando a necessidade de celeridade e o princípio da maximização do ativo.
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- DADOS DO OBSERVATÓRIO DE INSOLVÊNCIA DA ABJ (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURIMETRIA)
Segundo dados do Observatório de Insolvência da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), 92% das falências são requeridas por credores devido ao inadimplemento.
Em 204 casos com leilão, apenas 15 tiveram a falência encerrada.
A média de tempo para o encerramento de uma recuperação judicial é de cinco anos, enquanto processos falimentares podem se estender por mais de 10 anos. A taxa de recuperação de ativos é de apenas 12,1%, e a taxa de recuperação da dívida é de 6%, evidenciando a necessidade de maior eficiência nos processos falimentares.
Todos estes dados foram apresentados por Hayna Bittencourt no painel, que deixaram em evidência a necessidade de utilização das modificações introduzidas na LRF para deixar o procedimento falimentar mais célere e efetivo.
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- CASOS PRÁTICOS DE ALIENAÇÃO DE ATIVOS EM FALÊNCIA
Falência do Banco Santos: Em 23 de abril de 2025, o juiz Dr. Paulo Furtado autorizou a alienação da carteira de crédito da massa falida do Banco Santos, avaliada em R$ 716 milhões. A decisão considerou que a avaliação do crédito serve como referência, e que o ativo será leiloado independentemente da conjuntura de mercado, conforme previsto na nova redação do artigo 142, parágrafo único da LRF (Processo 0045770-22.2014.826.001 da 2ª vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo).
Graintek Indústria e Comércio: No processo 5014743-96.2023.821.0022 do TJRS, na falência continuada da Graintek permitiu a manutenção das atividades da empresa, priorizando a preservação de empregos e a alienação da sociedade com a obrigação de recontratação dos funcionários, configurando um caso de sucesso.
Mineradora Buritirama: No processo 1079544-45.2022.826.0100 do TJSP, a falência continuada da mineradora de manganês resultou na alienação da empresa por quase R$ 100 milhões em 2023, além da venda de um terreno em Marabá por quase R$ 9 milhões em abril de 2025.
Todos estes casos práticos foram apresentados por Hayna Bittencourt no painel, que reforçam a importância da criatividade dos envolvidos nos procedimentos falimentares na maximização dos ativos.
- A FIGURA DO STALKING HORSE: EVOLUÇÃO, FUNÇÕES E LIMITES
A figura do Stalking Horse representa uma das práticas mais relevantes no contexto da alienação de ativos em processos de recuperação judicial.
Conforme apresentado por Fernanda Piva e Rodrigo Garcia, trata-se de um mecanismo originalmente importado do direito falimentar norte-americano, cuja função é garantir um lance inicial por determinado ativo, oferecendo segurança jurídica e previsibilidade ao processo de venda.
Conforme destacado por Fernanda Piva e Rodrigo Garcia a adoção do Stalking Horse no Brasil decorre de um esforço técnico dos advogados para demonstrar suas vantagens e mitigar inseguranças iniciais.
Rodrigo Garcia prosseguiu sobre o tema, reforçando que na prática de atual o Stalking Horse oferece benefícios claros para credores e para o próprio processo de recuperação. O investidor âncora analisa o ativo a ser vendido, realiza uma due diligence e apresenta uma proposta vinculante. Essa proposta serve como baliza mínima para o preço do ativo, trazendo previsibilidade e evitando o risco de leilões desertos — um dos maiores temores em alienações judiciais.
Nos Estados Unidos, a figura é amplamente utilizada, sendo raros os chamados “naked options”, ou seja, leilões sem qualquer interessado prévio.
Segundo Rodrigo Garcia, no Brasil, a proposta do Stalking Horse permite ao devedor iniciar a prospecção de potenciais compradores com maior segurança, sinalizando ao mercado o valor mínimo do ativo e contribuindo para a redução da assimetria de informações. Além disso, a oferta inicial exerce uma função comportamental de ancoragem de preço: uma proposta de R$ 1 milhão tende a impedir que outros licitantes ofereçam valores muito abaixo, estimulando lances em patamares similares ou superiores.
De acordo com Rodrigo Garcia o Stalking Horse não assume esse papel gratuitamente. Para tanto, ele geralmente negocia certos direitos e benefícios, entre os quais se destacam três:
- Right to Match ou Right to Top: O direito de igualar ou cobrir a maior oferta apresentada em leilão. No Brasil, costuma-se conceder um acréscimo de até 1% sobre a proposta vencedora (Right Top). Isso permite que o Stalking Horse, ao final do leilão, se manifeste e adquira o ativo mesmo sem participar ativamente da disputa, bastando igualar ou superar a melhor proposta.
- Breakup Fee: Multa compensatória paga ao Stalking Horse caso ele não saia vencedor. Nos Estados Unidos, essa taxa varia entre 1% a 5%, sendo a média de 2,3% em vendas de ativos, segundo estudos empíricos. No Brasil, esse percentual pode atingir até 5%, conforme verificado por Garcia. Em geral, esse benefício vem acompanhado de outros, como o direito de cobrir oferta e o reembolso de despesas.
- Reembolso de despesas: Permite que o Stalking Horse seja ressarcido pelos valores investidos na due diligence caso não adquira o ativo.
Na prática brasileira, entretanto, a figura tem sido utilizada com objetivos distintos daqueles originalmente propostos. Em vez de fomentar a concorrência, o que se observa é a utilização do Stalking Horse para desencorajá-la. O investidor âncora, ao negociar diversos direitos com o devedor, assume uma posição privilegiada e, muitas vezes, desestimula a participação de outros licitantes no processo competitivo, o que contraria o espírito de um mercado plural e transparente.
Casos emblemáticos ajudam a ilustrar as possibilidades e os limites desse instrumento. Em operações complexas e que exigem apurada diligência, como na venda da UPI pela Oi (finalizada em seis dias) e da UPI Brasil PCH pela Renova (em nove dias), o uso do Stalking Horse foi decisivo para a celeridade e o sucesso do processo.
Segundo Rodrigo Garcia trata-se de ativos empresariais de alta complexidade, cuja venda direta, mesmo após a reforma da Lei n. 11.101/2005, ainda demanda blindagens jurídicas que o mecanismo do Stalking Horse oferece com legitimidade.
Em contraste, há casos em que o uso desse instituto foi considerado excessivo ou inadequado como explica Rodrigo Garcia. É o caso do Grupo Oswaldo Cruz, em São Paulo, que pretendia alienar um imóvel de baixa complexidade. Após receber uma proposta com cláusula de direito de preferência (right to match), surgiram vários interessados no ativo, demonstrando que havia mercado e competição suficiente. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), de forma acertada, entendeu que a concessão de vantagens típicas do Stalking Horse não se justificava diante da simplicidade do bem e da ampla concorrência existente, optando por um leilão público sem favorecimentos.
A decisão reforça a ideia de que o uso do Stalking Horse deve ser ponderado conforme a natureza do ativo e o contexto mercadológico. Para bens complexos, cuja avaliação e due diligence demandam tempo e recursos, o mecanismo é adequado. Para ativos simples — como imóveis, veículos e equipamentos —, o leilão competitivo sem direitos especiais é mais eficiente e justo, estimulando a pluralidade de interessados e maior arrecadação para os credores.
Portanto, embora o Stalking Horse represente uma estratégia valiosa na estruturação de vendas na recuperação judicial, sua aplicação requer cautela.
E ao final do painel, Rodrigo Garcia concluiu afirmando que o seu uso deve atender ao princípio da maximização do valor dos ativos e da preservação da empresa, sem comprometer a transparência e a isonomia do processo de venda.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reforma promovida pela Lei 14.112/2020 representa um marco normativo essencial para o aperfeiçoamento do regime de insolvência no Brasil. As alterações legislativas trouxeram maior previsibilidade jurídica, ampliaram a segurança para investidores e modernizaram os instrumentos de alienação de ativos, tanto na recuperação judicial quanto na falência.
O fortalecimento da blindagem patrimonial, a consolidação da figura do Stalking Horse, a admissão da venda direta e da venda integral da devedora, bem como a maior celeridade e flexibilização nos procedimentos falimentares, demonstram o esforço do legislador em alinhar a legislação nacional às melhores práticas internacionais.
Contudo, ainda são necessários avanços jurisprudenciais e doutrinários para a consolidação segura dessas práticas. A atuação estratégica dos operadores do direito e a postura colaborativa dos magistrados, advogados, administradores judiciais, credores e devedoras serão determinantes para que os instrumentos legais alcancem sua máxima efetividade na preservação de empresas viáveis, na proteção dos credores e na recuperação da economia.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Dispõe sobre a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 fev. 2005.
BRASIL. Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Altera a Lei nº 11.101, de 2005, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 2020.
BITTENCOURT, Hayna. Intervenção oral em painel de insolvência. Congresso TMA Brasil, 2025.
GARCIA, Rodrigo. Intervenção oral em painel de insolvência. Congresso TMA Brasil, 2025.
PIVA, Fernanda. Intervenção oral em painel de insolvência. Congresso TMA Brasil, 2025.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Processo nº 0045770-22.2014.8.26.0100 (Massa Falida do Banco Santos).
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Processo nº 5014743-96.2023.8.21.0022 (Falência da Graintek Indústria e Comércio).
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Processo nº 1079544-45.2022.8.26.0100 (Falência da Mineradora Buritirama).
Código de Falências dos Estados Unidos – Bankruptcy Code, 11 U.S.C. § 363.
MUNHOZ, Eduardo G. "Equitable Mootness no Direito Brasileiro: a proteção de negócios consumados em contexto falimentar".
Advogado