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Relatório do Evento: “O novo período de supervisão judicial da RJ”

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Em 14 de julho de 2021, o TMA promoveu importante encontro para exposição e debate envolvendo as alterações ao período de supervisão judicial trazidas com a Reforma à Lei de Recuperação Judicial e Falência (“LFRE”), contando com a presença dos debatedores Dr. Filipe Guimarães, sócio do Galdino & Coelho Advogados; Dra. Tatiana Flores, counsel do Lefosse Advogados e Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho, juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP. O evento contou, ainda, com moderação do Dr. Eduardo Mange, sócio do Mange Advogados.

O tema é de suma relevância, pois a supervisão judicial tem como um dos seus principais objetivos o acompanhamento direto da implementação das medidas de soerguimento e de pagamento chanceladas pelos credores em assembleia. Apenas se demonstradas que todas as obrigações vencidas durante esse período foram cumpridas pela recuperanda é que se autorizará o encerramento da recuperação judicial (art. 63 da LFRE). Caso contrário, a companhia é penalizada, em princípio, com a conversão da recuperação judicial em falência.

Dito de outro modo, a empresa apenas conseguiria superar o estado de recuperação e o estigma que tal condição carrega perante o mercado após o decurso do período de fiscalização judicial. A despeito de o art. 61 da LFRE estabelecer, mesmo antes da reforma legislativa, que esse período de supervisão seria de 2 anos, na prática, os processos de recuperação demoravam longos períodos de anos para serem efetivamente encerrados, colocando graves empecilhos à recuperanda à retomada de suas atividades.

A eternização dos processos de recuperação judicial decorria essencialmente da construção jurisprudencial de alguns Tribunais Estaduais de que: (a) o período de 2 anos seria norma cogente e, portanto, irredutível mediante negociação entre as partes; e (b) o termo inicial de contagem seria o último prazo de carência fixado nos planos de recuperação, com o intuito de garantir a efetiva fiscalização sobre as obrigações de pagamento. Nesse sentido, vale destaque ao Enunciado II do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal Paulista.   

A Reforma à LFRE parece ter, em certa medida, superado as condições acima impostas, trazendo importantes adequações ao art. 61, a saber: (1) o período de fiscalização judicial poderá (e não deverá) ser determinado pelo Juízo da Recuperação Judicial após a homologação do plano; (2) o prazo máximo é de até 2 anos (ou seja, pode ser inferior ou modulado); e (3) o termo inicial é a concessão da recuperação judicial (e não o último prazo de carência fixado no plano).

Referidas alterações levantam importantes reflexões sobre a natureza do instituto da supervisão judicial, os direitos por ele tutelados e os seus critérios de aplicação. Esses e outros aspectos relevantes foram objeto do debate promovido pelo TMA, no último dia 14 de julho de 2021.

Após a introdução do tema e contextualização das alterações, passou-se a palavra à debatedora Dra. Tatiana Flores, que trouxe importante reflexão sobre a sobreposição da realidade às condições legislativas, pontuando 3 grandes situações práticas a serem compreendidas à luz da nova redação do art. 61 da LFRE: (a) a proposição de aditivos ao plano durante o período de fiscalização de judicial; (b) a venda de ativos após o encerramento da recuperação e riscos dela decorrentes; e (b) a importância desse período para monitoramento do cumprimento do plano.

No que tange à apresentação de aditivos, expôs ter verificado novas propostas mais maduras do que as outrora fixadas nos planos já aprovados, propondo-se venda de ativos ou operações de pagamento mais estruturadas. Assim, existe uma oportunidade de negociação interessante entre partes, mas, por outro lado, também se gera a expectativa de que credores e investidores possam continuar monitorando os dados da recuperanda para viabilizar tais tratativas. Nesse aspecto, destacou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que não reabriria o prazo de supervisão com a aprovação dos aditivos aos planos.  

Em relação à venda de ativos, a Dra. Tatiana expôs ser necessário compreender se a alteração ao art. 61 da LFRE representaria, agora, uma faculdade ao Juízo da Recuperação Judicial de iniciar o período de supervisão com a homologação do plano, ou até mesmo de encerrar o processo antes de 2 anos. Caso assim se entenda, questiona como prosseguiriam as medidas para venda judicial dos ativos e se elas seriam suficientes para blindar a operação de sucessão de dívidas (arts. 60 e 142 da LFRE). Afinal, o benefício da não sucessão é um dos principais atrativos aos investidores no mercado de ativos estressados.

 Ela reforçou sua preocupação a partir da leitura do art. 133, §1º, II, do Código Tributário Nacional (“CTN”), que expressamente dispõe não suceder o comprador em dívidas tributárias, desde que a aquisição de filial ou de unidade produtiva isolada se dê “em processo de recuperação judicial”. Assim, a aquisição desse ativo com o processo de recuperação já encerrado, ainda que se dê via cumprimento de sentença ou incidente vinculado à recuperação, teria o condão de blindar o adquirente perante o Fisco? Sinalizou que, no seu entender, as medidas operacionalizadas via cumprimento de sentença parecem, a princípio, resolver o problema, mas é inegável o potencial litígio com o Fisco. Risco esse que impacta a precificação do ativo.

Por fim, no que tange à relevância desse período ao monitoramento do plano, destacou serem os relatórios mensais do administrador judicial (art. 22, II, “c”, da LFRE) uma importante ferramenta para que os credores, de forma coletiva, apurem com transparência o cumprimento do plano por eles aprovado. Podem, ainda, monitorar a eventual distribuição de dividendos, cessão de recebíveis a terceiros, constituição de novas dívidas, dentre outras questões que possam afetar as premissas do laudo de viabilidade econômica do plano (art. 53 da LFRE).

A Dra. Tatiana Flores concluiu sua exposição, indicando que as alterações ao art. 61 da LFRE parecem ter equilibrado os interesses e direitos dos credores e devedora durante a fase de execução do plano, ponderando que a eternização dos processos de recuperação não era benéfica a nenhum dos envolvidos, mas, por outro lado, é preciso cautela para não se reduzir indevidamente o período de fiscalização judicial em detrimento dos credores.

O contraponto às ponderações acima colocadas foi feito pelo Dr. Filipe Guimarães. Ele iniciou sua exposição apontando ter sido salutar a alteração ao art. 61 da LFRE, pois o prolongamento dos processos de recuperação judicial representa custos substanciais à recuperanda, possuindo reflexos automáticos e diretos aos credores (o custo sistêmico de longo prazo pode impactar as negociações do plano, impedindo, por exemplo, redução dos deságios). Frisou que a manutenção do processo ativo também imputa custos importantes ao Poder Judiciário, que são – nada mais, nada menos – do que recursos públicos.

Seguindo adiante, no que tange à introdução do termo “poderá” ao dispositivo em comento, indicou que não se trataria, ao seu ver, de uma faculdade do Juízo da Recuperação Judicial suprimir ou reduzir o período de supervisão judicial, sem que haja pedido prévio das partes. Isso porque, a recuperação judicial possui natureza eminentemente negocial, cumprindo ao magistrado controlar e tutelar as pretensões que lhe são devolvidas no curso desse processo. Sob essa perspectiva, consignou que o prazo de fiscalização judicial deve ser negociado entre as partes no plano de recuperação, a partir da ponderação de riscos e benefícios que a supressão, diminuição ou fixação em 2 anos do período de fiscalização pode representar àquele caso concreto.

Mesmo se tratando de matéria negocial, ponderou que existe um limite às partes, as quais não podem transigir com recursos públicos. Assim, expôs que o prazo de até 2 anos fixados no art. 61 da LFRE parece ser um importante balizador das negociações. E, considerando que convenções também são normas (normas convencionais), o acordo entre as partes, formalizado no plano, vincularia o julgamento da questão pelo Juízo da Recuperação. 

No que tange à venda de ativos pelo plano, o Dr. Filipe Guimarães traz relevante reflexão sobre as consequências do encerramento da recuperação judicial: mais do que simplesmente se arquivar os autos do processo, a medida representa verdadeira sinalização ao mercado de que o regime jurídico da recuperação judicial se encerrou. Assim, é importante que haja estabilização da jurisprudência sobre o tema, sob pena de ainda persistir desestímulos aos investidores em negociar com a empresa recuperanda, razão pela qual preocupa o fato de o Enunciado II do Grupo de Câmaras Reservadas do Tribunal Paulista, por exemplo, estar em revisão, quando a verdade é que ele já poderia ter sido cancelado.

Sobre os aditamentos aos planos, o Dr. Filipe concorda se tratar de uma prática consolidada entre as recuperandas, decorrente de uma realidade inafastável de se realizar ajustes às premissas financeiras do plano no curso do seu cumprimento. Nesse sentido, reforça que a jurisprudência autoriza a apresentação de aditivos aos planos, mas apenas enquanto o processo de recuperação estiver em curso, justificando a preocupação de que as recuperações não sejam extintas de ofício, sob pena de alijar a recuperanda do seu direito de proceder a necessários ajustes ao plano. Afinal, encerrado o processo, a única alternativa à recuperanda seria o ajuizamento de uma nova recuperação judicial após o decurso de 5 anos (art. 48, II, da LFRE) – período inviável dentro da realidade econômica das empresas.

Passada a palavra ao Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho, reforçou-se a importância de que todos os interesses sejam amalgamados, incluindo a transparência e segurança aos credores/investidores sobre o cumprimento do plano. Sobre a estabilização da jurisprudência, indicou ser importante a revisão dos posicionamentos até então exarados, que parecem ter se tornados incompatíveis com a atual sinalização do legislador infraconstitucional, no sentido de que o período de fiscalização judicial não seria imprescindível ao processo, mas sim uma faculdade à luz do caso concreto.

 Indicou, ainda, que as negociações entre as partes sobre a permanência da empresa em recuperação após a homologação do plano devem passar por um controle de conveniência e oportunidade pelo Juízo da Recuperação Judicial, em atenção à necessidade de preservação do interesse público.

Quanto às preocupações endereçadas pelos demais debatedores sobre a importância de se manter o processo de recuperação ativo para garantir (a) segurança à venda de ativos e (b) negociação de possíveis novos aditivos ao plano, o Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho ponderou que tais justificativas teriam o condão de possivelmente tornar natimorta a nova disposição do art. 61 da LFRE. Isso, pois a venda de ativos é uma das medidas de soerguimento mais recorrentes nos planos de recuperação.

Nesse ponto, indicou que a proteção de não sucessão das dívidas ao adquirente do ativo se daria com a realização de sua venda no ambiente judicial, não precisando ocorrer nos autos da recuperação judicial em si. Desse modo, havendo previsão expressa na decisão homologatória do plano de que a recuperação será encerrada e que o cumprimento do plano – incluindo a venda de ativos – será realizado em incidente de cumprimento de sentença, não pareceria haver legitimidade para o Fisco descumprir os termos dessa decisão. A reforçar esse ponto, citou o art. 110 do CTN.

Em relação à apresentação de aditivos, o Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho reflete que a intenção de permanecer em recuperação judicial não parece ser propriamente um direito da recuperanda, uma vez que a recuperação judicial é medida para sanar crise econômica pontual da empresa, devendo ela ser capaz, ao final do processo, de seguir com suas atividades.

Nesses termos, concluiu sua exposição aduzindo que a supervisão judicial não estará fechada às partes, porém é importante que o Juízo da Recuperação Judicial exerça controle de legalidade sobre o plano e eventual disposição relativa ao período de supervisão nele contida.

Fechado o primeiro ciclo de exposições, o moderador Dr. Eduardo Mange inaugurou rodada final de debates, em que outros questionamentos importantes à reflexão do instituto da supervisão judicial foram lançados pelos debatedores:

 

  1. Possibilidade de extensão do prazo de 2 anos: partindo da premissa de que o período de fiscalização judicial poderá ser negociado entre as partes, ponderou-se sobre a possibilidade de eventualmente as partes transigirem para estender esse prazo por período superior a 2 anos. E, em caso positivo, como poderia se dar o ônus argumentativo das partes para justificar referida extensão.

 

  1. Competência do Juízo da Recuperação Judicial: a partir da leitura do art. 6º, §7º-B, da LFRE, a competência do Juízo da Recuperação Judicial somente se estenderia para proteger os ativos da companhia em recuperação contra potenciais bloqueios bilaterais até o encerramento da recuperação judicial. Nessa medida, levantou-se preocupação sobre o questionamento da competência para implementação da venda de ativos do plano e a aplicação das regras de não sucessão das dívidas, caso encerrado o processo de recuperação. Caso mantida a competência, debateu-se como assegurar quais regras da LFRE serão aplicáveis à empresa que, nessa hipótese, não estará mais em recuperação, mas cumprindo seu plano.

 

Feitas essas ponderações, o debate foi encerrado. As discussões levantadas pelos participantes revelam a importância da promoção de encontros entre os operadores do direito, atuantes nos mais diferentes ramos, a fim de que se possa contribuir para o alcance da ratio legis de importantes institutos jurídicos, tais como o do período de supervisão na recuperação judicial. É preciso que haja clareza quanto ao objetivo da norma para que se possa equacionar os direitos da recuperandas vis a vis os interesses dos credores, em uma das fases mais críticas da recuperação (implementação do plano de soerguimento). Para tanto, é fundamental o convite à constante reflexão e discussão do tema dentro da comunidade jurídica.

Autor(a)
Marina Serachiani Clemente, associada ao Felsberg Advogados
Informações do autor
Marina Serachiani Clemente, associada ao Felsberg Advogados na equipe de insolvência.
Formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 2015.
Pós-graduada latu sensu em Recuperação e reestruturação de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2017.
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