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Quarta Online - Cautelares em Recuperação Judicial

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PARTICIPANTES: ADRIANA DIAS DE OLIVEIRA (Moderadora e sócia de TWK Advogados); GIULIANO COLOMBO (Debatedor e sócio de Pinheiro Neto Advogados); EXMA. DRA. RENATA MOTA MACIEL (Debatedora e Juíza de Direito Titular da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem da Capital do Estado de São Paulo); e Exmo. Dr. PEDRO IVO LINS MOREIRA (Debatedor, Juiz de Direito do Estado do Paraná e Diretor Institucional do Fonajem).

PALAVRAS-CHAVE: Lei de Recuperação de Empresas e Falência – Lei 11.101/2005 – Lei 14.112/2020 – Cautelares em Recuperação Judicial

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. As cautelares típicas previstas na Lei 11.101/05 – 3. As cautelares atípicas – limites da competência do Juiz da recuperação judicial – 4. Sujeição dos créditos à recuperação judicial – data inicial -   5. - Considerações finais.

1. INTRODUÇÃO

No dia 10 de maio de 2023, a TMA Brasil promoveu evento online, da série “Quarta Online”, que teve como tema “As Cautelares em Recuperação Judicial”. O debate foi moderado pela Dra. Adriana Dias, sócia de TWK Advogados e teve como debatedores o Dr. Giuliano Colombo, sócio de Pinheiro Neto Advogados, Exa. Drª. Renata Mota Macial, Juíza de Direito Titular da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem da Capital do Estado de São Paulo e Dr. Pedro Ivo Lins Moreira, Juiz de Direito do Estado do Paraná e Diretor Institucional do Fonajem. 

Ao introduzir o tema, a Dra. Adriana Dias ressalvou que a Lei 14.112/20 previu duas espécies de cautelares:  a do art. 6º, §12, que diz respeito à antecipação dos efeitos da recuperação judicial, caso preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC; e a prevista no art. 20-B, §1º, que diz respeito à possibilidade de instauração da medida cautelar com a antecipação do stay period quando instaurado pela devedora os procedimentos de conciliação ou mediação com seus credores.  
 Foi ressalvada, ainda, a existência das cautelares atípicas, quais sejam, aquelas não previstas na Lei 11.101/05, em que o devedor requer, por exemplo, a manutenção de contratos em curso, entre outros. 

2. AS CAUTELARES TÍPICAS PREVISTAS NA LEI 11.101/05

A Dra. Adriana iniciou o debate com alguns questionamentos, como (i) se há diferença entre as cautelares introduzidas pela Lei 14.112/20, (ii) se o prazo deferido pelo Juiz nessas cautelares pode ou ser não prorrogado e (iii) se essas cautelares podem ser ajuizadas em caráter antecedente.  

Conforme pontuado pela Dra. Renata, as cautelares introduzidas pela Lei 14.112/20 têm razão e objetivo claro, que é apenas a antecipação do stay period para a empresa em crise econômica. 

Para a Dra. Renata, a cautelar prevista no art. 6º, §12 apenas faz sentido quando a empresa devedora não possui todos os documentos necessários para ajuizar a recuperação judicial e necessita da antecipação dos seus efeitos, não havendo razão para que esse prazo seja superior a 30 dias. No caso, contudo, da cautelar prevista no art. 20-B, §1º, esse prazo poderia sim ser prorrogado caso a empresa devedora comprovasse ainda estar em negociação com seus credores. 

Na opinião do Dr. Pedro Ivo, a cautelar prevista no art. 6º, §12 poderia sim ser requerida em caráter antecedente em razão da remissão ao art. 300 do CPC, desde que preenchidos os requisitos legais. Ele pontuou que, na Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, essa medida deve ser concedida em caráter excepcional e perdurar por no máximo 30 dias. Para ele, essa previsibilidade e prazo máximo concedidos é uma exigência do mercado, a exemplo do que ocorreu com a limitação do prazo do stay period prevista ano art. 6º, §4º da Lei 11.101/05. Ele ressalvou, ainda, que já há precedentes do Tribunal de Justiça do Paraná que descontam do stay period o prazo da cautelar deferida com fundamento no art. 6º, §12, da Lei 11.101/05.

O Dr. Giuliano Colombo pontuou que deve ser analisado, nesse aspecto, o contexto em que foram promulgadas as alterações da Lei 14.112/20, qual seja, em meio a uma pandemia, em que as empresas de modo geral enfrentaram de forma repentina um cenário totalmente adverso. Naquele momento, muitas empresas não precisavam necessariamente de uma recuperação judicial, que causa imensos impactos e pode agravar a  situação econômica de empresas ou mesmo inviabilizar um negócio que de outra fora seria viável se não tivesse sido atingido por um meteoro chamado Covid, mas apenas de tempo para negociar de forma coordenada com seus credores. Essas cautelares nasceram nesse contexto e com esse espírito. Atualmente, o contexto mudou, havendo mais clareza quanto a como os negócios estão andando e performando e as coisas retornando para um centro de normalidade, a utilização indiscriminada dessas cautelares passa a ser mais desafiadora. 

Sobre o conceito de stay period, o Dr. Giuliano pontuou que a lei brasileira importou esse conceito de outros regimes, a exemplo do Chapter 11, que prevê o “automatic stay”. A lei brasileira, contudo, se esqueceu do “automatic”, visto que o processamento da recuperação judicial não é automático, razão pela qual as cautelares tornaram-se necessárias para a antecipação do stay. Ele sugere que o stay deveria ter início a partir do protocolo da petição inicial, o que facilitaria o início do processo. Essa é a lei do equilíbrio de incentivos: todas as partes integrantes do processo de recuperação judicial saberiam o que esperar. A previsão das cautelares dão margem para que o Juiz utilize o Poder Geral de Cautela previsto na lei processual civil, abrindo-se uma porta que tem se tornado ao mesmo tempo útil e perigosa para a solução dessas questões. 

A Dra. Adriana pontuou que, como o stay period não é automático, o período entre o protocolo e o deferimento do processamento da recuperação judicial é sensível para o devedor, que pode sofrer diversos ataques ao seu patrimônio estando sujeito, ainda, à realização da perícia prévia, o que pode atrasar ainda mais o deferimento do stay.

Para o Dr. Pedro Ivo, não são todas as regiões do país que possuem varas empresariais especializadas, razão pela qual muitos juízes que não tem contato com a área de insolvência e possuem competência universal, qual seja, de direito penal, família e tributário, necessitam da perícia prévia para analisar o pedido de recuperação judicial. O Brasil é de recuperações judiciais que em 150 dias não tiveram o pedido apreciado. Daí a necessidade das cautelares.  

Na opinião da Dra. Renata, as cautelares típicas, como estão restritas à antecipação do stay period, não deveriam ser necessárias na maioria dos casos. Nesse sentido, com exceção dos grandes grupos econômicos, o Judiciário possui dificuldades em compreender a razão pela qual uma empresa não tem condições de apresentar, quando do ajuizamento da recuperação judicial, os documentos previstos no art. 51 da Lei 11.101/05, única hipótese, além da negociação com credores, de antecipação dos efeitos da recuperação judicial. Além disso, pontua que não acha razoável um juiz deferir constatação prévia para análise de documentos, devendo os juízes estudarem e se prepararem para fazer essa verificação. O deferimento do processamento da recuperação judicial é tutela de urgência que não deve demorar para ser analisada pelo Judiciário. As cautelares não devem, ainda, perdurar por mais de 30 dias, com exceção das ajuizadas para negociação entre devedor e credores. 

Para a Dra. Renata, o deferimento de cautelares deve ser medida excepcional, sob pena de gerarem insegurança jurídica e conflitos de competência. 

3. AS CAUTELARES ATÍPICAS – LIMITES DA COMPETÊNCIA DO JUIZ DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

    Em relação às cautelares atípicas, ou seja, aquelas não previstas na Lei 11.101/05, a exemplo dos pedidos de manutenção dos contratos, a Dra.  Renata pontuou que há pedidos feitos pelas empresas devedoras que não são de competência do Juiz da recuperação judicial e ainda que sejam, devem ser deferidos com limites. Nesse sentido, devem ser analisados os pedidos e seus efeitos: preservação da empresa X pacta sunt servanda. O judiciário não pode permitir que a parte fique em um limbo, sem saber se está ou não sujeita aos efeitos da recuperação judicial e se pode ou não executar os contratos. 

    Na opinião do Dr. Pedro, deve-se pensar na realidade brasileira tal qual ela é, ou seja, a realidade brasileira não é de varas especializadas ou regionalizadas na área de insolvência. Segundo pontuado por ele, pesquisa realizada pela FGV destacou que 2/3 dos Juízes brasileiros entendem o princípio da preservação da empresa como um princípio absoluto, sobre o qual não deve haver ponderação, o que gera problemas na aplicação da lei. 

    Ele fez, ainda, importantes comentários sobre como essa questão tem sido resolvida em outros sistemas, a exemplo do caso Butner X US, em que a Suprema Corte Americana entendeu que o sistema de insolvência não gera exceção absoluta no ordenamento jurídico e deve aplicar a lei apenas nos casos expressamente previstos. No Brasil, em nome do art. 47, que muitos entendem ter aplicação absoluta, alguns juízes chegaram a atuar, por exemplo, em questões regulatórias envolvendo ANAC e ANATEL. Nesse sentido, destacou que há precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a despeito de não terem aplicado uma doutrina específica, entenderam pela limitação da aplicação do art. 47 e da competência do juiz da recuperação judicial em questões regulatórias e de arbitragem, a exemplo do CC 156.664 (Relator Min. Herman Benjamin), Resp. 1287461/SP (Relator Min. Og Fernandes), Resp. 1933723 (Relator Min. Marco Aurélio Bellizze) e CC 157099 (Relatora Min. Nancy Andrighi). 

A doutrina Butner tem auxiliado na compreensão sobre a abrangência da competência do Juiz da recuperação judicial. O Dr. Pedro Ivo concluiu que, se a competência do Juiz da recuperação judicial for absoluta será permitido o “forum shopping” em que o devedor pode ter todos seus pedidos deferidos em nome do art. 47.

Para o Dr. Giuliano, quando estudamos o Poder Geral de Cautela, vemos que esse talvez seja o maior desafio das cautelares atípicas. Ele acredita que o papel desejável do juiz das recuperações judiciais é equilibrar os interesses em jogo e incentivar que credores e devedores busquem uma solução consensual que pressupõe um equilíbrio de forças. Nesse sentido, quando uma parte recebe uma proteção excepcional, há necessariamente um desequilíbrio de forças que gera uma forte reação do outro lado. Há a possibilidade de se determinar uma mediação forçada, que tem seus desafios. As liminares com implicações nas relações contratuais transcendem as relações contratuais e geram problemas de segunda ordem e tem potencial de inviabilizar o início do processo. A reflexão é para que os pedidos, feitos na amplitude que forem, sejam analisados cuidadosamente e encaminhados para uma solução consensual. Ele ressalta que as decisões repercutem para outros casos e podem gerar precedentes ruins que depõem contra o instituto da recuperação judicial e que possuem implicações delicadas, não sendo incomum que gerem reflexões e inseguranças. Os magistrados devem estar atentos para esse viés na condução dos casos.

Na opinião da Dra. Renata Maciel, o juiz da recuperação judicial deve olhar para todas as direções e não pode ser massa de manobra das partes. É responsabilidade do devedor, por exemplo, ajuizar a recuperação com todos os documentos exigidos pelo art. 51 da lei 11.101/05. O deferimento de cautelares deve ser medida excepcional. 

4.      SUJEIÇÃO DOS CRÉDITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DATA INICIAL

    A Dra. Adriana questionou aos debatedores qual, na opinião deles, deve ser a data inicial para verificação da sujeição dos créditos à recuperação judicial nos casos em que foi ajuizada a medida cautelar, se a data da cautelar ou a data da recuperação judicial. Ela pontuou que essa definição é importante na medida em que deve ser esclarecido o que ocorre com os pagamentos realizados pelo devedor no período compreendido entre a cautelar e a recuperação judicial, bem como com a outorga de garantias feitas nesse período. Deve ser discutida a competência e limites do que pode ser feito nesse período.

    O Dr. Pedro Ivo pontuou que houve discussão sobre essa questão no caso Americanas, em que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que a antecipação dos efeitos da recuperação judicial em sede cautelar gera deveres e direitos ao devedor, havendo limitação nas operações que podem ser realizadas sob pena de se incorrer nas condutas previstas no art. 64 – trata-se da aplicação do sistema de freios e contrapesos. 

    Dr. Giuliano declinou a resposta por estar atualmente representando um cliente nessa discussão, mas pontuou que esse debate é bastante sensível e tem gerado conflitos entre credores e devedores e desalinhamentos entre credores. 

    A Dra. Renata sugeriu que os Juízes deveriam já determinar, na decisão que defere a cautelar, a data da sujeição dos créditos a fim de evitar futuras discussões e insegurança jurídica.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Por fim, a mediadora Dr. Adriana e os debatedores concluíram o debate respondendo à pergunta feita por uma participante sobre se, ao prever duas espécies de cautelar, o legislador, ao editar a Lei 14.112/20, teve a intenção de limitar o Poder Geral de Cautela do Juiz e restringir as hipóteses de pedido cautelar para aquelas expressamente previstas no art. 6º, §12 e 20-B, §1º. 

    Na opinião do Dr. Pedro Ivo, o Juiz da recuperação judicial não deve ser o responsável por decidir todos os problemas da empresa em crise e a Lei 11.101/05 não apaga todo o ordenamento jurídico. 

    Para a Dr. Renata, o Poder Geral de cautela existe independentemente da Lei 11.101/05 e os arts 6º, 7º “a” e “b” limitam a competência do Juiz da recuperação judicial. Ela pontua que tem observado que os devedores atualmente estão com problemas relacionados aos contratos em curso e aos créditos extraconcursais e o mercado está exigindo um posicionamento sobre esses temas. Ela pontua que existem outros sistemas que trazem soluções sobre contratos essenciais, por exemplo, e é difícil para os Juízes refletirem de forma a garantir objetividade. O contraditório existe para que sejam apresentados todos os ângulos dos problemas. 

    Por fim, o Dr. Giuliano ressalta que concorda com as observações do Dr. Pedro Ivo e da Dra. Renata e pontua que as cautelares têm finalidade específica e própria que não elimina a possibilidade de outros pedidos e que a lei limita apenas naquilo em que há restrição expressa. 
 

Autor(a)
Ana Paula Genaro, Advogada da área de insolvência do Felsberg Advogados.
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