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Café Internacional - Insolvência nas BVI e CAYMAN

Capa Relatoria

Debatedores: Jason Robinson Sócio na Teneo, Grant Carroll Sócio na Ogier

Apresentação: Liv Machado, Tauil & Chequer associado a Mayer Brown

  1. Apresentação

Este é um relatório de um Café Internacional a respeito dos regimes da insolvência nas Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e nas Ilhas Cayman, realizado pelo TMA em 7 de junho de 2023, em que tive o privilégio de participar como relator.

O painel foi composto por Jason Robinson, que tratou sobre aspectos da insolvência nas Ilhas Cayman, e Grant Carroll, que expôs sobre as características do processo  em BVI; e apresentado por Liv Machado, sócia do escritório Tauil e Chequer associado a Mayer Brown.

Jason Robinson é diretor na Teneo nas Ilhas Cayman, à qual se associou após a aquisição dos negócios de reestruturação da KPMG Cayman Islands. Jason possui mais de 14 anos de experiência assessorando clientes no setor de serviços financeiros e tem exercido papel central em casos de reestruturação e insolvência transnacionais. Jason é CPA no Canadá, administrador da insolvência licenciado para as Ilhas Cayman, e membro da INSOL International.

Grant Carroll é sócio na Ogier com mais de 15 anos de experiência, primeiramente como advogado no Reino Unido e, por aproximadamente 10 anos, em BVI. Grant foi advogado em BVI na reestruturação de Constellation Oil Services, e advogado para os liquidantes do fundo de cobertura em crypto Three Arrows Capital Limited. Atua também como advogado em BVI para os liquidantes provisórios do FTX Digital Markets nas Bahamas e é atualmente presidente do Recovery & Insolvency Specialists Association em BVI.

  1. Insolvência nas BVI e Cayman

Para começar a discussão, a moderadora pediu a Jason que fornecesse um panorama sobre o sistema de insolvência em Cayman, expusesse sobre os tipos de liquidação disponíveis e explicasse como os procedimentos acontecem nessa jurisdição.

Jason explicou que as ilhas Cayman são um importante centro financeiro internacional, com vários fundos de investimentos, veículos de propósitos especiais, e companhias de seguros. No que diz respeito ao sistema judiciário, Cayman possui a divisão de serviços financeiros da Corte, que recebe as questões de reestruturação e insolvência. As leis são baseadas no sistema de common law britânico, das quais 2 principais são sobre reestruturação e insolvência. Nos casos de insolvência, há os praticantes especializados. É um sistema bastante robusto, preparado e construído para lidar com casos de insolvência transnacional.

Um dos processos é o “regime de liquidação solvente” ou “liquidação voluntária”, que é utilizado quando os acionistas desejam colocar fim à companhia. O procedimento basicamente envolve vender os ativos, pagar as dívidas e devolver o dinheiro aos acionistas. E, para companhias insolventes, há 3 procedimentos: “liquidação provisória”, utilizada quando há risco de dissipação dos ativos; “liquidação oficial”, utilizado quando não há mais razão de a companhia existir; e “regime de agente de reestruturação”, utilizado para reestruturar uma companhia que pretende se comprometer com seus credores, mediante a apresentação de pedido dos seus diretores. Os agentes de reestruturação trabalham próximos à companhia, uma moratória é aplicável desde o pedido, e é possível transigir dívidas através de um esquema de arranjo (scheme of arrangement).

Grant, por sua vez, apresentou-nos um panorama a respeito de BVI. Explicou que BVI é um território com governo próprio, mas é supervisionado pelo Reino Unido e que possui mais de 50 ilhas. Atualmente, há cerca de 375 mil sociedades incorporadas em BVI. Em relação aos regimes de insolvência, há dois mecanismos: “liquidação voluntária” e “liquidação de insolvência”. A liquidação voluntária é utilizada quando a companhia não tem mais uso; ou seja, quando os acionistas não precisam mais da sociedade. Nesse caso, os diretores fazem uma declaração de que a companhia é solvente e comprovam que ela é capaz de continuar a saldar suas dívidas, assim como que o valor dos ativos é igual ou superior ao das dívidas. Para atuar nesse procedimento, o liquidante voluntário necessita ser um residente de BVI.

Em relação à liquidação em insolvência, o pedido pode ser feito pela própria companhia, por um sócio da companhia, por credor, por autoridades fiscais ou pelo procurador-geral. O liquidante deve ter licença para atuar em BVI e é possível nomear liquidantes estrangeiros para auxiliá-lo. Uma vez nomeado, os poderes de administração sobre a companhia são transferidos para o liquidante, muito embora os diretores permaneçam nos seus cargos. As principais funções e deveres do liquidante são reunir os ativos da companhia e vendê-los para pagar credores. O liquidante também possui poderes adicionais para continuar a atividade da companhia, se necessário por um período, mas também para investigar preferências desleais que podem ter sido conferidas a alguns credores ou transações envolvendo ativos que foram subavaliados, com o intuito de procurar trazer de volta o dinheiro eventualmente desviado da companhia. Os liquidantes também devem avaliar se as atividades empresariais foram mantidas mesmo diante da situação de insolvência da companhia, piorando a posição da coletividade de credores, e se os diretores poderiam ter evitado esse prejuízo.

Na sequência, a moderadora fez uma comparação entre ambos os sistemas e os procedimentos de insolvência no Brasil, nos quais a figura mais próxima de um liquidante seria a do administrador judicial. Enquanto em BVI e em Cayman, o liquidante pode ser nomeado inclusive por credores, no Brasil os administradores judiciais são sempre nomeados pelo juiz.

A próxima pergunta disse respeito mais especificamente aos procedimentos de reestruturação disponíveis em cada jurisdição.

Grant explicou que, em BVI, há o regime de “liquidação provisória”, que serve como uma ferramenta para proteger ativos na fase em que a nomeação do liquidante ainda está pendente; é um mecanismo para ganhar tempo para a companhia entrar em negociações significativas com os credores. Os liquidantes provisórios não removem os diretores, mas se localizam “acima” dos diretores, de modo que participam das reuniões do conselho e participam dos negócios da companhia, mas não das atividades cotidianas. Quando um liquidante provisório é nomeado para a reestruturação de uma companhia, os credores ficam impedidos de ajuizar medidas contra ela. Grant ainda acrescentou que o regime de liquidação provisória é um procedimento supervisionado pelo Corte, que confere aos liquidantes provisórios os poderes suficientes para a reestruturação progredir. Os liquidantes provisórios atuam próximos da administração da companhia e dos credores e, idealmente, encontram uma solução consensual para a reestruturação. Entretanto, o sistema de BVI também prevê “esquemas de arranjos” e mecanismos de cram down, em que é necessária a aprovação por maioria em valor de créditos e maioria dos credores presentes na votação para que a reestruturação e o plano proposto pelo devedor possam ser implementados.

Em relação à Cayman, Jason tratou do “regime do agente de reestruturação”. Abordou que antes da implantação do regime do agente de reestruturação, o procedimento de reestruturação em Cayman era muito similar ao procedimento em BVI. No novo regime, os diretores possuem poderes para iniciar o procedimento, requerendo que um agente de reestruturação seja nomeado. O ajuizamento do pedido dá início à moratória ou período de suspensão, durante o qual a cobrança de créditos quirografários contra a companhia não pode ser implementada. O procedimento possui bastante flexibilidade e o agente de reestruturação atua como um terceiro independente, intermediando as partes envolvidas. As decisões proferidas pela Corte são moduladas para o procedimento em específico e os agentes de reestruturação podem requerer medidas específicas para o caso, como autorização para vender algum ativo. 

Em continuação, Liv perguntou aos debatedores se as respectivas jurisdições adotaram a Lei Modelo da UNCITRAL.

Grant disse que BVI não é um país que segue o modelo da UNCITRAL e, como tal, não possui um procedimento de reconhecimento como o Chapter 15 do sistema norte-americano, de modo que um liquidante estrangeiro deve requerer à Corte em BVI assistência jurisdicional em cada caso.

Jason explicou que a situação é parecida em Cayman. Uma companhia de Cayman pode procurar reconhecimento do procedimento em outras jurisdições. E, se por um lado não há o procedimento de reconhecimento em Cayman, é uma jurisdição onde há colaboração sempre que reconhecida a natureza transnacional do caso.

Na sequência, a moderadora levantou o tema do rastreio de ativos e pediu que os palestrantes tratassem a respeito dos mecanismos de busca de ativos nas suas respectivas jurisdições.

Em Cayman, os liquidantes têm direito de ter acesso a toda informação, livros e registros da companhia, e podem requerer que diretores e outras partes forneçam informações que julguem necessárias para rastrear ativos. Os liquidantes possuem o dever de investigar o histórico da companhia e, a partir disso, podem ajuizar pedidos para perseguir os ativos da companhia, seja perante a jurisdição de Cayman ou outras, a depender do caso. Outra preocupação em Cayman é de que as investigações a serem promovidas pelo liquidante sejam proporcionais aos potenciais resultados. O objetivo final deverá ser sempre maximizar retornos para as partes interessadas. Por fim, Jason abordou o comitê de credores, que é formado em assembleia de credores. O comitê de credores atua de forma próxima aos liquidantes e funciona como uma “caixa de ressonância” para os liquidantes porque estiveram envolvidos com a companhia por mais tempo, possuem informações adicionais e podem reportar ao liquidante as impressões da coletividade de credores.

A respeito desse ponto, Liv fez um paralelo com o sistema brasileiro, que também prevê a possibilidade de constituição do comitê de credores, mas que dificilmente é formado porque os membros possuem responsabilidade por seus atos.

Em BVI, o comitê de credores pode ter no máximo 5 membros, cada um com direito a um voto, independentemente do valor do seu crédito. O comitê de credores em BVI não possui poderes per se para conduzir o procedimento de liquidação; seu papel é basicamente auxiliar o liquidante. Nesse sentido, o liquidante pode submeter as medidas a serem propostas previamente ao comitê, que fornece suas impressões a respeito delas. Outro ponto abordado foi um mecanismo para tutela de interesses de vítimas de fraude (BVI Norwich Pharmacal relief), que possibilita à vítima ter acesso à informação de uma companhia sem necessariamente que essa companhia tenha conhecimento. Nesses casos, é possível, por exemplo, fazer um requerimento para que um departamento de registros ou um agente de registros forneça informações sobre o beneficiário econômico efetivo de uma companhia, e rastrear a titularidade da participação para, se necessário, desconsiderar a personalidade jurídica da entidade. Há também um outro instituto utilizado para implementar decisões, que é o receivership, por meio do qual um síndico (receiver) é nomeado para, por exemplo, implementar uma liminar de penhora de ações. Nesse caso, o síndico, cuja atuação é muito parecida com a de um liquidante, assume controle das ações, vota pelas ações, substitui o conselho e preserva os ativos. Um síndico também pode ser nomeado, após uma decisão confirmando a existência da dívida, para arrecadar os bens e persegui-los onde quer que estejam.

A seguir, um ouvinte enviou uma pergunta, reproduzida pela moderadora, acerca dos requisitos necessários para que um credor possa iniciar um processo de liquidação do devedor em BVI e em Cayman.

Grant iniciou a resposta explicando que é necessário provar a existência do crédito; além disso, necessário também decidir sobre apontar um liquidante e contratar um advogado especializado em insolvência em BVI.

Jason acrescentou que, uma vez que o liquidante é nomeado, ele assume as funções dos diretores, e pode (ou não) devolver parte delas aos diretores. Desde o primeiro dia, o liquidante já atua para proteger os ativos e as informações e torna público o pedido de liquidação. Numa fase subsequente, o liquidante torna pública a convocação de assembleia de credores.

Houve também outra pergunta enviado por ouvinte: não obstante a importância do comitê de credores, existe algum procedimento em BVI e Cayman para vender ativos encontrados e usar os recebíveis da venda para pagar as dívidas?

Grant explicou que em BVI o liquidante possui poderes para vender os ativos da seguinte forma: primeiro deve encontrar os ativos; depois os vende; e, na sequência, distribui os valores obtidos para os credores. Caso seja um credor estrangeiro com garantia, o bem objeto da garantia pode ser vendido diretamente pelo próprio credor.

Jason, por sua vez, explicou que em Cayman o poder do liquidante para vender ativos não é automático, mas pode ser requerido à Corte, que costuma apreciar tais pedidos de forma bastante célere.

  1. Considerações Finais

Ao final, Jason concluiu expondo que BVI e Cayman são centros internacionais, jurisdições acostumadas a lidar com assuntos transnacionais e que possuem profissionais muito bons, que lidam com assuntos transnacionais diariamente.

Grant pontuou que são jurisdições muito vivas em relação às regulamentações internacionais, tendo progredido nos últimos anos ao prever competências para auxiliar credores e vítimas de fraudes. São sistemas jurídicos estáveis, em que há profissionais experientes que podem auxiliar nessa busca por ativos a serem realizados.

Por fim, todos agradeceram e o evento foi encerrado pela moderadora.   

Autor(a)
João Ricardo Pacca, Campana Pacca Advogados
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