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Café Agro - Fiagro

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Moderador: Ricardo Ticoulat, Sócio, Galapagos Capital

Debatedores: Fernanda Amaral, Sócia, FreitasLeite Advogados / Laysa Gouveia, Associate Partner, Pantalica Partners / Marcos Antonio Françóia, Diretor Presidente, MBF Partners 


Rafael Lima abriu o evento agradecendo o apoio dos patrocinadores e apresentando os painelistas. Na sequência, passou a palavra ao Ricardo Ticoulat.

Ricardo iniciou sua fala agradecendo o convite e tecendo elogios aos demais painelistas, frisando a importância do tema para o momento atual do agronegócio no Brasil. Explicou que houve uma reversão momentânea de algumas expectativas no desempenho do mercado de agronegócio, o que exigiu a revisão de diversos aspectos, entre eles a necessidade de funding no setor. Ricardo disse que o Fiagro é um produto relativamente novo, que surgiu nos últimos três anos, de forma que o momento atual é propício para discussões sobre o tema, em especial diante de eventos que impactaram negativamente o setor, amplamente discutidos na mídia, como a tragédia do Rio Grande do Sul e a queda de preços de certos produtos. O especialista ponderou que esse cenário negativo não é para todo o agronegócio, visto que alguns produtos e culturas estão em um momento bastante positivo, como o café, laranja e outros. Feitas tais ponderações, iniciou o debate questionando a Fernanda sobre o que é um Fiagro, quais são os tipos existentes, e como que um produtor pode acessar os recursos de um Fiagro. 

Antes de iniciar suas colocações, Fernanda agradeceu o convite para participar do evento e frisou a importância da iniciativa de promover tal evento, tanto para quem acessa e para quem investe no Fiagro, a fim de disseminar o produto. Fernanda começou sua exposição introduzindo brevemente o histórico do Fiagro no Brasil. Explicou que o Fiagro nasceu a partir de uma modificação feita na lei que criou o Fundo de Investimento Imobiliário, em 1993, mas que apenas começou a ganhar projeção 20 anos depois, sendo hoje relevante no financiamento do mercado imobiliário no Brasil.  Fernanda expôs que a inspiração para criação do Fiagro veio principalmente da constatação de que, um veículo que atinge investidores de varejo como fundo imobiliário, a partir do momento em que pode passar a comprar outros ativos (referindo-se especialmente ao CRI – Certificado de Recebíveis Imobiliários, a partir de uma mudança que a CVM fez em 2008), houve grande movimentação no mercado. Significa dizer que o incorporador imobiliário que queria fazer uma obra já fazia um financiamento via CRI, que era adquirido por um fundo imobiliário. Isso movimentou muito o mercado. Nesse sentido os produtores rurais tradicionalmente se financiavam pelo sistema bancário, como acontecia também no mercado imobiliário. Quando o agro começou a ter uma projeção maior via financiamento do mercado de capitais, os produtores começaram a notar que acessar os CRAS seria muito benéfico. Assim, foi criado o Fiagro, um veículo para o mundo do agronegócio, como existia para o mercado imobiliário. 

Quanto à regulamentação do Fiagro, Fernanda ressaltou que a previsão do Fiagro foi incluída na Lei do Fundo de Investimento Imobiliário. A CVM regulamentou os Fiagros de uma maneira provisória em 2021, a partir da Resolução nº 39, na qual se estabeleceu três espécies possíveis de Fiagro, considerando o tipo de ativos que poderiam compor o seu patrimônio: [i] o Fiagro imobiliário, que se valeria de toda a regulamentação do Fundo de Investimento Imobiliário, ou seja, do chassi do Fundo de Investimento Imobiliário; [ii] o Fiagro FIDC, que se valeria do Fundo Investimento em Direitos Creditórios; e [iii] o Fiagro FIP, para quando o Fiagro fosse investir em participações em sociedades ou títulos, ativos permitidos ao FIP, mas com uma ligação com o negócio. A advogada explicou que, até hoje, a resolução e a regulamentação do Fiagro permanecem essas. Esclareceu que a CVM mudou a base da regulamentação dos fundos de investimento em geral a partir da Resolução nº 175, que traz o regramento para todos os fundos de investimento e os respectivos anexos normativos para cada tipo de fundo. Pontuou que o anexo normativo do Fiagro ainda não foi promulgado, mas foi pauta de audiência pública em 31 de janeiro de 2024, a fim de ouvir as manifestações do mercado. Elucidou que não é possível falar hoje sobre qual foi a proposta da CVM e quais foram as manifestações do mercado atinentes ao Fiagro, mas destacou a importância de a CVM estar buscando fazer uma regulamentação aplicável aos Fiagros. Concluindo, Fernanda disse que hoje, dependendo do tipo de ativo que um Fiagro for comprar, ele vai se valer da estrutura de um fundo imobiliário, de um FIDC ou de um FIP, sendo o tipo mais frequentemente observado o Fiagro-FII, dada a possibilidade de comprar CRAS. Aduz, ainda, que o Fiagro é atrativo para o investidor porque ele tem a isenção do imposto de renda para os rendimentos produzidos para as pessoas físicas, atraindo investidores de varejo que querem investir nesse tipo de mercado. 

Avançando em sua fala, Fernanda explicou como o produtor pode acessar um Fiagro. Explicou que o investimento em um Fiagro opera de dois pontos de vista: o do investidor e o do produtor. O investidor que desejar comprar cotas de um Fiagro irá investir nele, devendo observar os ativos envolvidos. No caso de Fiagro-FII, ali terão CRAS, LCAs, que são outros títulos ligados ao agronegócio. Destacou que o investidor deverá investigar quem é o devedor desses títulos, para avaliar o que tem nesse patrimônio, pois o seu rendimento das cotas virá desses ativos. O produtor rural, por sua vez, não toma um Fiagro, mas ele se beneficia dele na medida em que, existindo um investidor, como a gestora de um Fiagro, ela pode se interessar em comprar um CRA que seja lastreado no título de dívida de um determinado produtor rural. Em outras palavras, para o produtor rural, o Fiagro representa uma fonte adicional de financiamento de recursos e, nesse sentido, é muito positivo. 

Ricardo adicionalmente questionou Fernanda sobre como o investidor deve atentar-se à questão de garantias das operações que o tomador, na outra ponta, está fazendo. 

Fernanda destacou que esse é um aspecto muito importante, pois é preciso analisar o conjunto da operação. Reforçou a importância de que o investidor verifique a qualidade do crédito e não só a garantia, visto que é um recurso e o acessório a ser acessado em caso de inadimplemento do produtor. Fernanda explicou que, no contexto do Fiagro, as garantias tratam-se de alienação fiduciária da fazenda do produtor rural ou de equipamentos agrícolas. Disse que muitas vezes há cessão fiduciária de recebíveis. Eventualmente, o produtor rural poderá ter uma outra propriedade que está arrendada, ou ter uma parceria rural, ou créditos a receber, que podem ser cedidos de forma fiduciária. Destacou que a maioria das operações hoje, não só no agronegócio, mas de maneira geral, tem procurado se valer das garantias fiduciárias, sendo que antigamente utilizava-se a hipoteca e o penhor. A advogada explicou que essa preferência pela propriedade fiduciária ocorre, pois, a propriedade se transmite com o escopo de garantia em fidúcia, em confiança. Após o pagamento do devedor, o credor devolve, de modo que os créditos do arrendamento que foram transmitidos a título fiduciário serão do credor enquanto durar essa dívida. Com o pagamento, eles voltam para o devedor, sendo daí o termo fiduciário. Então, efetivamente sai do patrimônio do devedor e vai para o patrimônio do credor. A propriedade fiduciária tem um tratamento especial na Lei de Falências, não se sujeitando a recuperação judicial ou à falência do produtor rural. Então, seria positivo buscar a cessão fiduciária ou a alienação fiduciária e efetivamente cuidar para que essas garantias sejam bem formalizadas. No caso da alienação fiduciária, ela tem que ser efetivamente registrada no cartório de móveis ou no registro de títulos e documentos, se for um bem móvel, e no caso da cessão fiduciária, tem que ser muito bem descrito. 

Fernanda pontuou que, ainda assim, às vezes a alienação fiduciária pode ser questionada, principalmente em casos de recuperação judicial do produtor rural, sob a alegação de que o bem dado em garantia, como uma fazenda, é um bem essencial. Ao mesmo tempo em que a Lei de Falências retira a propriedade fiduciária do concurso de credores, ela também assegura que, caso se trate de um bem essencial, ou seja, que é imprescindível para aquele para que aquele devedor prossiga com a sua atividade para se recuperar, ele vai ter uma proteção durante o stay period, que é o período de 180 dias após a distribuição da recuperação judicial. Então, algumas vezes verificam-se alguns embaraços e percalços para recuperar esses bens em recuperação judicial de produtor rural, por conta da alegação de bem se ser essencial. Fernanda explica que essa é uma equação difícil, porque, de fato, se a garantia for o único estabelecimento do produtor rural, e se ele tiver uma situação de crise, provavelmente será necessário enfrentar esse questionamento e essa impossibilidade de fazer a execução dessa garantia durante esse período de recuperação judicial. Fernanda destacou que daí vem a importância de que o investidor analise o crédito em sua totalidade, e não apenas uma garantia, devendo ser considerada a probabilidade de o devedor ingressar com uma recuperação judicial.

A advogada também frisou a importância de que os gestores e profissionais que lidam com crédito para o produtor rural realmente entendam a realidade do agronegócio, considerando também os riscos climáticos, a sazonalidade e as peculiaridades do tipo de produto. Fernanda concluiu dizendo que não adianta querer fazer um crédito e condições de pagamento que não se apliquem e não se adequem a essa realidade. 

Ricardo agradeceu a exposição de Fernanda e, dando continuidade ao debate, passou a palavra para Laysa, a fim de que comentasse sobre esse momento desafiador do agronegócio esse ano. Ricardo questionou Laysa sobre o que poderíamos esperar do setor para 2024, considerando a Safra 2024-2025. Adicionalmente, convidou-a a comentar se, em seu entendimento, houve abuso dos gestores ou de quem concede crédito para operações em casos em que o fundamento não era tão perfeito, ou a governança não era ideal, ou a própria garantia não estava adequada. 

Laysa iniciou sua fala agradecendo a oportunidade de falar sobre um tema tão importante para o crédito e também para o agronegócio. Começou pontuando que, como indicado pela Fernanda, o Fiagro nasceu de uma grande aposta de trazer para o agronegócio uma proximidade do mercado de capitais, e vem sendo extremamente benéfico para ambas as partes. Observa-se que produtores estão acessando um crédito que antes não tinham acesso, ao mesmo tempo que os investidores podem diversificar seus investimentos, principalmente pessoas físicas, que têm um apelo da isenção de imposto de renda, também investir com retorno maior do que a poupança. Laysa explicou que o último ano foi muito importante para o Fiagro, que apesar de ser um produto bastante novo, resultou na emissão de quase R$ 9 bilhões, tendo sido 76% dos subscritores pessoas físicas. Quanto a esse ano, houve diminuição nas novas emissões, que Laysa atribui ao receio das situações que vem acontecendo com o agronegócio, que acabam tomando a mídia e são um pouco prejudiciais para este tipo de investimento. Todavia, de forma geral, o Fiagro ainda é bastante procurado por pessoas físicas. 

No que tange ao agronegócio, Laysa entende que o ano de 2023 foi um bastante delicado. A respeito da safra 2023-2024, a expectativa da CONAB, antes mesmo de precificar e quantificar o impacto da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul, que hoje é o nosso segundo maior produtor de grãos, empatado com o Paraná, estima-se 8% na quebra geral da safra de grãos. Alguns especialistas estimam prejuízo em 5 milhões de toneladas, mas ainda é cedo para afirmar. Porém, há outros grandes estados produtores, como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e o próprio Paraná, com quebras de 15 a 20%. Fora isso, deve-se considerar que a queda dos preços, acompanhada do momento delicado da safra, vem também com os custos, fatores que no setor agro são, de certa forma, correlacionados. Laysa ilustrou a situação como um trem: a locomotiva é o preço e os vagões são os custos. Embora o preço já tenha caído, os vagões ainda estão lá em cima. Assim, um produtor que que fez seus custos na metade de 2023 e que está colhendo agora, terá uma queda de 10% nesse preço, de forma que em um período curto de tempo com custos bastante elevados. Portanto, ao ver de Laysa, a situação seria bastante delicada. Embora aparentemente uma quebra de 8% frente ao todo possa ser considerado pouco, Laysa frisa que é preciso considerar esses pontos específicos de quebras mais acentuadas, bem como a alta taxa de juros e a falta de proteção que o produtor rural, por ter pouca sofisticação em sua maioria quanto a proteção de custos. A especialista explicou que, em sua percepção, em geral o produtor rural é bastante otimista e é “um apaixonado pelo negócio”, características que fazem com que esse mercado continue crescendo. Além disso, por questões tributárias, o produtor rural pode acabar não guardando tanto dinheiro entre safras, guardando muitas vezes o necessário em um “grande colchão”. Uma das razões para essa atitude é a escassez do crédito, de forma que o produtor precisa utilizar tudo o que puder para continuar crescendo, investindo, comprando terras e maquinário. Essa situação somada ao cenário de preços baixos, alta de custos, que afeta a cadeia de insumos como um todo, acaba “balançando” algumas empresas, uma situação muito sensível. Ainda, Laysa relata que desde o final do terceiro trimestre do ano passado, observa-se que alguns CRAs e Fiagros tiveram problemas, principalmente em relação aos CRAs que compõem essas carteiras. Explicou que CRAs e CRIs representam 55% dos ativos que compõem Fiagros. A partir dessa constatação, Laysa deu seguimento ao seu discurso abordando o tema da qualidade do crédito. Relatou que se observam muitos defaults de empresas que sabidamente não tinham saúde financeira para continuar performando, de forma que a situação de default era praticamente certa. A especialista disse que a negociação em torno desses papéis acaba evoluindo pela falta de análise do investidor. Retomando a fala de Fernanda, Laysa destacou a importância de analisar a garantia do Fiagro e dos CRAs, identificando o que está investido, bem como a saúde financeira dessas empresas. A garantia deve ser um mitigador de riscos, e não uma forma de pagamento, principalmente em um momento de crise. Laysa relata que há no mercado situações de default de alguns CRAs, mas que vão dar uma boa uma boa resolução para os credores, pois as empresas em questão eram saudáveis e tinham tudo para performar com uma boa garantia na operação. Entretanto, mesmo diante do bom desempenho, situações de crise podem acontecer no agronegócio, de modo que a garantia, nesses casos, vai servir para mitigar a perda dos investidores. 

A respeito da pergunta de Ricardo quanto aos abusos que o mercado vem observando nessa seara, Laysa disse que esse é um aspecto que prejudica aqueles do setor que trabalham de forma séria. Isso porque, trata-se de uma forma de financiamento extremamente importante, tanto para os investidores quanto para o agronegócio, mas com estruturas com garantias pouco agenciadas e dadas em múltiplas operações. Laysa explicou que não necessariamente uma garantia vista como boa, como terras, terá a qualidade esperada, como o caso de terras com problemas judiciais. Indicou que o investidor, ao comprar um papel desse, espera que o time envolvido na emissão tenha agenciado a fundo a empresa e as garantias, já que em uma situação de default haverá dificuldade de reaver o crédito. Outro ponto abordado por Laysa foram algumas estruturas utilizadas para afastar o risco dos balanços dos bancos, de modo que o banco acaba pulverizando esse risco interno para os seus investidores. Laysa frisou também da importância do acompanhamento pós-emissão de CRAs pelos times responsáveis pela emissão e também pelos órgãos reguladores. A esse respeito, mencionou recente resolução normativa publicada em fevereiro pelo Conselho Monetário Nacional, por meio da qual [i] regulou-se os lastros dos CRIs e CRAs, proibindo empresas de capital aberto que não sejam do setor imobiliário ou do agronegócio de darem lastro para esses papéis e também instituições financeiras e [ii] proibiu-se a utilização de direitos creditórios de partes relacionadas. A especialista ponderou que a resolução normativa divide opiniões, mas julgou-a positiva. Para Laysa, por um lado, a normativa irá engessar e inviabilizar a atuação de alguns players sérios, ao mesmo tempo em que restringe a prática de abusos nesse mercado. Quanto às consequências da resolução normativa, Laysa disse que, para os produtores, os efeitos são positivos. Superado o momento atual de defaults e crise, com a queda da oferta desses papéis que deixam de vir ao mercado por conta dessas proibições, Laysa acredita que a demanda por Fiagros vai ser cada vez maior por parte dos investidores, considerando que o agronegócio é um mercado bastante promissor, além dos benefícios ao investidor como isenções e diversificação dos riscos. Ademais, com menos oferta, os spreads serão menores para o agronegócio, de modo que o produtor se beneficiará cada vez mais. Laysa chamou a atenção para o fato de que a obtenção de crédito subsidiado pelo governo por produtores está mais difícil, de forma que o mercado de capitais passa a ser uma opção, apresentando taxas mais baixas para o grande e médio produtor. Encaminhando-se para a conclusão de sua fala, Laysa reforçou que o CRA e o Fiagro são extremamente importantes para o mercado e para o agronegócio, desde que sejam tratados com muita seriedade, apresentando uma estrutura de garantia robusta e retornos adequados ao risco, a fim de que o investidor também seja bem atendido. Quanto aos produtores, é importante que os especialistas do mercado financeiro e os gestores estejam no campo saberem das peculiaridades e realidade desse setor. Ponderou que os produtores precisam de operações condizentes com a sazonalidade e nuances do negócio, pois muitas vezes o produtor, como uma falta de opção, acaba aceitando as condições que vêm do mercado que não estão alinhadas com a forma de operação de seu negócio, de forma que o benefício passa a ser um problema. 


Ricardo comentou que o Fiagro é um produto relativamente novo, com três anos, sendo uma fonte adicional de recursos para o tomador, e que atravessa um processo de amadurecimento contínuo, assim como outros mercados já atravessaram antes. Direcionando a palavra para Marcos, Ricardo questionou-o a respeito da gestão realizada pelo produtor rural. Introduzindo seu questionamento, Ricardo destacou que é muito comum a gestão familiar, acompanhada da competência na questão técnica de plantio e colheita, auxiliados por equipamentos de altíssima tecnologia. Para Ricardo, o Brasil é um exemplo nisso, havendo um vasto espaço ainda para a exploração desse mercado em busca de eficiências e tecnologia. Contudo, na questão familiar e de governança, Ricardo disse que parece que ainda há uma evolução necessária para acontecer. Perguntou, então, a opinião de Marcos sobre isso. 

Marcos iniciou sua fala agradecendo ao TMA pelo convite e dizendo que é uma honra e um privilégio compartilhar o painel com outros profissionais tão capacitados. Na sequência, iniciou seu discurso falando sobre a importância de regular melhor determinadas questões atinentes ao agronegócio e à cultura do setor. Marcos disse que atua como administrador judicial, e por mais que se trate de uma frente de trabalho diferente, também encontra problemas comuns identificados por Laysa, como a questão das garantias. Relatou que as garantias são, às vezes, muito mal compostas, o que seria um reflexo da falta de conhecimento dos profissionais do mercado financeiro a respeito da realidade e nuances do agronegócio, gerando confusão em um momento de distressed. Quanto ao aspecto da cultura de gestão de negócios no campo, Marcos ressalta que existe um choque geracional, principalmente em negócios conduzidos por famílias, que resultam na resistência em aderir a novas tecnologias e inovações para otimizar a produção. Citou, a título de exemplo, os drones, que facilitam não só o monitoramento da evolução da lavoura, controle de pragas e aplicação de insumos, mas também a análise e controle de garantias oferecidas em operações. Disse que a mudança da gestão passa pela questão cultural. Nesse sentido, Marcos apontou que pesquisas mostram que hoje 75% do mercado é comandado por famílias, sendo que 15 a 20% dessas famílias são consideradas profissionalizadas [com a constituição de sociedades limitadas e sociedades anônimas] e preparadas para gerir o negócio. Porém, cerca de 50 a 60% do mercado ainda é pautada em decisões emanadas, geralmente, pelo patriarca da família, sem qualquer profissionalização, o que propicia o surgimento de conflitos. Assim, as novas gerações dessas famílias, que têm mentalidade de mudança e de inovação, encontram uma barreira diante dos gestores patriarcas que muitas vezes não querem a mudança, pautando-se em uma filosofia que prioriza a acumulação de patrimônio. Marcos relatou que, dentro desse contexto, é importante trazer esse aspecto à tona, visto que o produtor rural pode acessar, por meio do Fiagro, um crédito diferenciado, mas precisará necessariamente fazer mudanças no seu formato de gestão. Essa mudança que passa pela cultura de gestão e que envolve muito a questão de ESG. Ou seja, efetivamente, devem ser colocadas em prática questões ambientais, sociais e principalmente a governança, ligada diretamente à mudança de cultura. Marcos apontou, ainda, que nessas empresas familiares, muitas vezes não há a utilização de ferramentas de gestão modernas. Marcos disse que essas empresas derivam de grandes grupos familiares, que tiveram uma sucessão mal organizada diante do falecimento do patriarca. Assim, o patriarca é substituído por seus sucessores, novos gestores, que constituem novas empresas e cada um com a sua forma de pensar diferente, diluindo o poder de gestão. Consequentemente, muitas vezes, a diluição faz com que a transferência do ativo ocorra para outras empresas maiores, porque os gestores abaixo não estavam preparados para orquestrar essa sucessão. Assim, Marcos entende que a questão da sucessão precisa ser revista, possibilitando que através de uma análise de crédito e rating, seja possível concorrer e participar do mercado de novos financiamentos. Frisou que cada vez mais as questões sociais e ambientais estão sendo cobradas para valorizar o produto. Nesse sentido, Marcos apontou que determinados fatos podem gerar um stress na garantia. A título de exemplo, Marcos relatou um caso no qual o MST invadiu as terras de uma empresa, terras estas dadas em garantia. A justificativa para invasão foi de que essas terras estariam sendo excutidas, no judiciário, para dação de pagamento. Contudo, essa questão ainda estaria sob discussão no processo judicial, de forma que nada disso havia sido determinado ainda. Dessa forma, a invasão do MST afetou diretamente a garantia, que estava no processo de possibilidade de liberação de crédito. Porém, o fundo que estava cuidando de fazer a emissão não tinha nessas questões. 

Para Marcos, a profissionalização dos produtores rurais não consiste somente em obter especialização acadêmica, mas conjugar isso a obtenção de conhecimento técnico no setor. Além disso, Marcos frisa que o produtor deve pensar como gestor empresarial, e não como alguém que só visa acumular patrimônio [e daí vender a imagem de que é um grande produtor, porque é grande proprietário de terras]. 

A partir da fala de Marcos, Ricardo propôs uma pergunta a todos os painelistas: nesse caso, a própria legislação não estimula uma governança diferente? Considerando que hoje há muitos produtores que faturam como pessoa física, e ainda não possuem estrutura de pessoa jurídica de uma maneira mais organizada e auditável, até para que aquele que vai conceder crédito para aquele produtor tenha informações mais fidedignas. 

Marcos respondeu dizendo que o ponto trazido por Ricardo é importante, sendo necessária uma mudança generalizada em vários aspectos. Em primeiro lugar, frisou novamente a questão da mudança da cultura, diante da mentalidade diferenciada trazida pelas novas gerações. Contudo, ainda há um sério problema a ser enfrentado: a questão de sucessão. A título de exemplo, citou um caso em que atuou no qual o patriarca de uma família produtora de gado decidiu, ainda em vida, dividir as suas terras entre os filhos por meio de equalização, ou seja, aquele que ficasse com uma terra maior teria que pagar aos demais a diferença. As tratativas para alcançar o valor final levaram um ano e meio, e no dia da entrega das terras, houve grande discussão familiar. Dias depois, o patriarca veio a falecer, de forma que toda a discussão foi levada a seara judicial. Assim, deixou-se para fazer algo tarde demais.

Fernanda questionou se, nessa situação, um Fiagro não resolveria o problema, por meio de distribuição de cotas, o que evitaria a confusão. Marcos concordou que essa seria uma boa solução. 

Dando continuidade, Marcos citou um segundo caso no qual atuou, no qual o patriarca da família, detentora de uma grande usina de cana, faleceu em 2021 de COVID-19, deixando 2 filhos que não tinham condições de fazer a gestão do negócio. Então, Marcos foi chamado judicialmente para assumir a gestão dessa empresa por um ano, porque a ideia era vender o ativo. Contudo, já se passaram 3 anos e Marcos segue na gestão, porque o problema é muito maior do que se imaginava no início. Houve uma tentativa de emitir títulos, mas não foi possível por vários fatores que só foram descobertos quando se assumiu a gestão. Marcos menciona que há títulos emitidos hoje nessa empresa, mas que não há condições de pagar nada. Portanto, ao ver de Marcos, faltou alinhamento com os fundos e bancos de verificar melhor como estava sendo feita a gestão dessa empresa. Para Marcos, a lei deveria exigir uma governança diferenciada por parte dos gestores do agronegócio, que desestimule a manutenção da condução de atividades na pessoa física, levando à condição de crise no falecimento do grande gestor ou do patriarca da empresa. Questionou o que Fernanda pensava sobre o assunto.

Fernanda concordou com as críticas tecidas por Marcos, mencionando que regulamentação atual não traz nenhum incentivo para mudança dessa situação. Ponderou que, enquanto não houver mudança, a situação permanecerá assim. Fernanda traçou um paralelo com os patrimônios de afetação das incorporações imobiliárias: enquanto não havia tributação diferenciada para que os incorporadores aderissem ao patrimônio de afetação, que é muito mais seguro e organizado, a sua aplicação era letra morta. Todavia, atualmente o patrimônio de afetação é, efetivamente, uma realidade, que só se concretizou mediante um incentivo. Para Fernanda, os produtores rurais não vão querer abrir mão dessa situação privilegiada só para se profissionalizar, sendo necessária uma mudança profunda. 

Ricardo ponderou que poderia haver uma legislação que apenas estimulasse a contabilidade dentro de uma pessoa jurídica, mas com a mesma carga tributária, sem alteração dessa carga. Isso fortaleceria o setor, pois há uma preocupação, que Ricardo vê como um processo evolutivo, da CVM. Nesse sentido, Ricardo apronta que nos últimos dez anos a CVM avançou em termos de regulamentação, criando novos produtos e trazendo mais governança para esses produtos, de tal maneira que o investidor invista com mais segurança e o tomador tome recursos de maneira mais adequada. Para Ricardo, atravessar um momento de crise no setor é um aprendizado, mas que infelizmente não é a primeira vez que esse cenário ocorre. Destacou que o setor do agronegócio é absolutamente importante para o Brasil como um todo, que representa quase 30% do PIB [se consideradas cooperativas, usinas, distribuidoras de insumos, produtores de leite, etc]. Portanto, se o produtor tem algum incentivo, estará beneficiando também toda uma indústria de equipamentos, fertilizantes e assim por diante. Então, para Ricardo, uma boa regulamentação seria bastante importante para auxiliar na governança e na concessão de crédito, de maneira que os investidores também fiquem mais seguros. Na sequência, Ricardo perguntou aos painelistas como que um produtor pode acessar o Fiagro, bem como quais conselhos dariam para um produtor quanto a melhor maneira de acessá-lo. 

Fernanda respondeu dizendo que, em um caso análogo ao relatado por Marcos, em que houve discussão familiar acerca da partilha de terras, os imóveis poderiam ser conferidos ao Fiagro. Apontou que o Fiagro, diferente do fundo imobiliário, tem uma vantagem para incentivar esse tipo de operação, que é o diferimento do ganho de capital para o momento da alienação das cotas ou amortização. Fernanda explica que, normalmente, essas propriedades têm um valor contábil histórico não muito alto e atualizado, até porque esse valor é utilizado de base para pagamento de ITR, e não é interessante quantificar um valor muito alto. No momento em que as propriedades são conferidas para o fundo [seja FII ou Fiagro] deve-se utilizar o valor justo de mercado, com base em um laudo de avaliação. Nesse momento, apura-se o ganho de capital [diferença entre o valor contabilizado e o valor que vai para o fundo]. No Fiagro, há uma peculiaridade: só se paga este ganho de capital quando se realizar este ganho, ou seja, quando as cotas forem vendidas ou quando houver amortização, justamente para incentivar essa estruturação. Nesse sentido, Fernanda relata que atuou em um caso em 2006, envolvendo uma família que tinha 92 fazendas de cultivo de cana-de-açúcar no Nordeste. A família desejava organizar a distribuição desses ativos. Assim, conferiram todos esses imóveis para um fundo imobiliário, que também pode receber imóvel rural. Na época, foi necessário pagar o ganho de capital, e houve distribuição das cotas entre os irmãos e a família. Ainda, na época, o requisito para isenção de rendimentos era de 50 cotistas, e não de 100, e de fato tinham 56 pessoas na família. A operação foi bem sucedida, de forma que os cotistas passaram a contar com uma gestão profissional das propriedades, recebendo todos os rendimentos da propriedade em fundo, que tem um ambiente isento. Nesse caso, o fundo foi um excelente produto para a otimização patrimonial. Os fundos, muitas vezes eles se prestam também, não só para essa estratégia de varejo, de vender as cotas, fazer novas captações, mas também a organização patrimonial. Fernanda explicou, ainda, que essa estrutura permite que se um dos herdeiros, desejar vender a sua parte, não há necessidade de vender a fazenda inteira, bastando que venda parte das cotas. Para Fernanda, essa é uma estratégia muito eficiente para organizar a sucessão, ponderando, contudo, que não se trata da mesma ideia de planejamento sucessório, que geralmente envolve a blindagem patrimonial para evitar tributos. Nesse caso, o fundo é utilizado para uma melhor organização e gestão. Fernanda também deu um outro exemplo: muitas vezes, o produtor tem uma propriedade e quer construir silos, tendo vizinhos que gostariam também de participar da construção por questões logísticas. Nesse caso, o imóvel pode ser colocado em fundo, que fará uma nova emissão para captar os recursos para fazer a construção desses silos, por exemplo, de forma que posteriormente o recurso obtido com a renda será o rendimento do fundo. Quanto aos fundos de crédito, Fernanda explicou que o produtor poderá ter o crédito concedido indiretamente por um Fiagro, visto que fundos não podem conceder crédito de maneira direta, mas podem comprar os títulos que o representam, no caso, o CRA. Outra possibilidade aventada por Fernanda foi o investimento do Fiagro em participação societária, tornando-se cotista ou acionista de uma sociedade com atividades ligadas ao agronegócio, incentivando o crescimento. Fernanda concluiu dizendo que são várias as possibilidades de acesso ao Fiagro para o produtor rural. 

Na sequência, Ricardo propôs mais um questionamento aos painelistas. Ponderou que, em um Fiagro, há dois polos de interesse, o do investidor e o do tomador. Embora as discussões do painel tratem principalmente do produtor rural, Ricardo lembrou que o agronegócio abrange também usinas de açúcar e álcool, cooperativas, distribuidoras de insumos, etc. Assim, há muitas categorias de papel diferenciadas no mercado, inclusive para cumprir exação de risco. Ricardo questionou se, na opinião dos painelistas, o investidor deverá fazer uma análise da carteira e, principalmente, não só das garantias, mas principalmente da pulverização da carteira do fundo. 

Fernanda respondeu dizendo que o fundo que tiver títulos e valores mobiliários na sua carteira terá um gestor, sendo esse o seu papel. Então, escolher um bom gestor é uma questão fundamental. Ainda, para Fernanda, o administrador fiduciário também é importante, pois é ele quem faz a interlocução com a CVM, representando o fundo ativa e passivamente. No caso dos Fiagros, na proposta de regulamentação da CVM, o papel do gestor foi ampliado. Isso não acontece nos fundos imobiliários, mas a CVM está propondo que o gestor tem uma participação ainda mais presente nos Fiagros. Quanto a pulverização, Fernanda explicou que a regulamentação já obriga alguns requisitos de diversificação. Logo, o fundo que investir em mais de uma modalidade deverá observar os percentuais de concentração por modalidade, de ativo, de emissor – Fernanda pontuou, todavia, que essa exigência não é definitiva ainda, ante a ausência de regulamentação final. A proposta da CVM para a regulamentação dos Fiagros também traz a necessidade de se ter uma política de investimentos bem detalhado, ou seja, especificando o que o gestor vai alocar em qual segmento e em qual proporção. Isso tem que estar muito bem descrito no regulamento do fundo. Assim, um investidor, seja de varejo ou profissional, possivelmente se valerá da expertise do gestor para fazer esse tipo de avaliação, sem prejuízo de validá-la. Fernanda frisou que um investidor comum, de varejo, provavelmente não será tão atento à qualidade da carteira, pois talvez não tenha expertise para isso. A advogada concluiu dizendo que a regulação já tem os mecanismos para que se tenha esse nível de informação muito bem concedido, sendo responsabilidade do gestor fazer uma análise aprofundada, atenta aos fatores de risco. 

Marcos manifestou sua concordância à opinião de Fernanda, dizendo que o investidor de varejo não fará uma análise detalhada do que está por trás do fundo, confiando no gestor. Apontou, ainda, que tem notado um aumento da utilização de empresas especializadas e serviços técnicos para realizar uma análise minuciosa dos ativos envolvidos no fundo. Em 2003-2004, em que houve uma entrada relevante de recursos internacionais no agronegócio brasileiro, seja para aquisição de terra ou para investir em indústrias, surgiu a figura do acompanhamento técnico, que realiza o trabalho de análise de aspectos como a qualidade da lavoura e da terra, aplicação de insumos, a capacidade dos gestores, etc. Marcos ponderou que não são todos os fundos que utilizam esse recurso, de forma que há situações em que há pontos de atenção nas garantias cedidas. Citou, como exemplo, terras dadas em garantia que são áreas de reserva ambiental ou carreadores, que não são áreas produtivas. Isso prejudica a estimativa de rendimento agrícola, que é considerada muito maior do que a capacidade de fato da terra. Portanto, para Marcos, é extremamente importante confiar no gestor, mas os gestores não tiverem habilidade técnica, deve haver alguém que faça o papel de acompanhar os ativos in loco, inclusive após a emissão. 

Em complemento às considerações de Marcos e Fernanda, Laysa concordou com as afirmações de que o papel do gestor é analisar a carteira e garantir a pulverização, a fim de diminuir o risco. Exemplificando, Laysa mencionou que os grãos estão passando por um período complicado, mas a laranja, o café e o açúcar têm alguns bons indicativos para esse ano. Então, com essa pulverização, o gestor mitiga o risco, e não se pode esperar isso de um investidor pessoa física. Outro ponto frisado por Laysa, fazendo remissão ao discurso de Ricardo, foi o fato de que o agronegócio não se resume ao produtor, de forma que a disponibilização de mais crédito nesse setor representa um melhor acesso aos insumos da cadeia como um todo. Apesar de o crédito não ser destinado às vezes diretamente ao produtor, uma vez que beneficia a cadeia, acaba sendo positivo ao produtor também. Laysa concluiu dizendo que um maior controle do gestor sobre fundos representa um ganho geral. 

Na sequência, Ricardo comentou que, conforme apontado por Fernanda, a legislação e regulamentação dos fundos pautou-se na regulamentação de fundo imobiliários, a fim de acelerar o começo das operações Fiagro, mas reconhece-se a necessidade de uma regulamentação específica para esse tipo de fundo. No entanto, no começo do ano, houve uma mudança rápida sobre uma nova regulamentação, ou um aperfeiçoamento da regulamentação. Com base nessa afirmação, Ricardo questionou os expositores sobre o porquê dessa alteração. Em outras palavras, Ricardo constatou que antes mesmo de ter uma nova regulamentação para Fiagro, surgiram novos questionamentos impostos pelo Conselho Monetário Nacional: por que isso tudo está acontecendo e qual a perspectiva? 
Fernanda explicou que Ricardo provavelmente estava se referindo à Resolução nº 518 do Conselho Monetário Nacional, que foi alterada pela Resolução nº 5.121. Ela comentou que não se sabe exatamente por que essa mudança ocorreu, mas relatou sua participação em um evento onde um dos coordenadores da comissão levantou a necessidade de promover políticas públicas. Isso se deve ao fato de que o mercado do agronegócio estava se beneficiando significativamente das operações no mercado de capitais, as quais estavam suprindo uma deficiência de crédito que o sistema bancário tradicional ou os planos rurais não conseguiam atender. Fernanda concordou que havia uma percepção de que, em algum grau, isso era evidente, especialmente no setor do agronegócio, embora não tanto no setor imobiliário. Ela mencionou que, frequentemente, brincava sobre a cadeia de fornecimento do agronegócio, como o ferro do arame farpado para cercas de fazendas, que também fazia parte dessa cadeia. A situação ficou mais clara com a Resolução nº 60 da CVM, que regulamentou todos os certificados de recebíveis, tanto mobiliários quanto agropecuários. Ela destacou que, atualmente, CRAs emitidos por companhias abertas precisam ter 2/3 de sua receita ligada ao agronegócio. Citou a operação icônica do Burger King, que não pertence ao agronegócio, mas captou recursos via CRA para comprar carne, o que era permitido pela CVM na época. Fernanda explicou que o setor de securitização do agronegócio foi muito inspirado pelas boas experiências do setor imobiliário. Fernanda comentou sobre a origem da securitização no setor imobiliário, com a Lei 9.015/97, destinada a incentivar o financiamento, suprindo a deficiência de crédito que os bancos não conseguiam atender. Ela explicou que, historicamente, se um emissor não imobiliário destinasse os recursos para uma atividade imobiliária, isso era permitido. No entanto, com a Resolução 518, apenas companhias abertas ou relacionadas ao agronegócio, com 2/3 do faturamento no setor, podem se valer dessa captação. Ela expressou suas reservas quanto à vedação, reconhecendo que, embora houvesse abusos, muitas operações realmente beneficiavam o agronegócio, como o caso do Burger King comprando carne. Agora, essas operações terão que usar outros mecanismos de captação. Fernanda também considerou acertada a vedação de operações entre partes relacionadas, pois muitas vezes eram usadas para criar lastros artificiais para operações. Além disso, destacou que o reembolso de despesas incorridas não é mais permitido, enquanto debêntures incentivadas ainda permitem reembolso de despesas dos últimos 24 meses. No geral, Fernanda observou que a nova resolução não teve muito impacto para sua prática e perfil de clientes, mas questionou se a medida estava alinhada com a política pública de concessão de crédito, já que foi implementada sem muitos avisos e sem uma análise de impacto regulatório adequada.
Ricardo perguntou se Fernanda, Laysa e Marcos achavam que as mudanças ocorridas esse ano representaram um retrocesso.
Fernanda afirmou que, em relação às partes relacionadas, considera que a medida é prudencial e interessante. No entanto, em outros aspectos, ela diria que houve alguns retrocessos.

Marcos concordou que houve retrocessos, mas destacou que o agronegócio é composto por diversos setores, todos interligados na cadeia produtiva do agronegócio. Ele afirmou que a mudança trouxe uma nova visão para a regulamentação do direito das emissões. Apesar de reconhecer os retrocessos, ele acredita que nada interferiu de imediato nas práticas vigentes até o momento. Marcos mencionou que, a partir de agora, é necessário realizar uma análise mais aprofundada dos novos lançamentos para entender o impacto real dessas mudanças.
Laysa comentou que seu ponto de vista está mais focado na questão do crédito e da qualidade do que se tem observado no mercado. Ela concordou com alguns pontos levantados por Fernanda, mas acredita que a nova regra visa restringir práticas que não fazem sentido no setor. Usando o exemplo do Burger King mencionado por Fernanda, Laysa reconheceu que, embora usar a destinação para a carne como lastro faça sentido, a empresa possui outras formas de se financiar. Por um lado, isso é positivo para o produtor e para o frigorífico, pois facilita o processo econômico, mas por outro, prejudica o crédito que poderia ser mais profundamente direcionado ao agronegócio, sendo utilizado por outras companhias. Laysa também concordou com Fernanda sobre a vedação do uso de lastro entre partes relacionadas, considerando essa medida um "tiro certeiro" contra fraudes. Ela observou que lastros criados entre partes relacionadas frequentemente corroboram com fraudes, e restringir essa prática é benéfico tanto para o mercado quanto para os produtores sérios que estão emitindo esses papéis. Laysa concluiu que, embora haja pontos positivos e negativos na nova regra, ela enxerga a mudança de maneira mais positiva. No entanto, reconheceu que ainda há muitos aspectos a serem considerados nessas regulamentações para que o mercado continue avançando de forma promissora.
Ricardo questionou os painelistas se acreditavam que o aperfeiçoamento da regulamentação da CVM deve ocorrer em breve. Ele mencionou que a CVM tem adotado uma política quase de Estado, disponibilizando mais regulamentação para investidores, mais regulamentação para tomadores e mais alternativas de produtos. Essa abordagem está alinhada com a modernização e digitalização, expandindo o mercado de capitais para complementar o que os bancos fazem e oferecendo alternativas para ambos os lados. Ricardo destacou que a rápida implementação de regulamentações e regras claras é essencial para que todos saibam como "jogar o jogo". Ele enfatizou a importância dessa clareza para todos os envolvidos no mercado. Por fim, Ricardo fez uma última pergunta sobre questões fiscais, especificamente em relação a novos produtos no mercado, como “fundos de terra”, que são equivalentes aos “fundos de tijolo” imobiliários. Ele perguntou sobre as implicações fiscais quando um fundo investe em terra, quais impostos estão envolvidos e se, do ponto de vista fiscal, esse tipo de investimento é um bom produto com a regulamentação atual.
Fernanda explicou que os fundos de terra terão implicações fiscais semelhantes aos fundos imobiliários tradicionais, dependendo da exploração dentro do fundo. Ela mencionou que o rendimento para os cotistas dependerá das atividades realizadas na terra, como construção de silos ou arrendamento. Fernanda detalhou os impostos envolvidos, como o ITBI, que incide quando uma propriedade rural é incorporada ao fundo por meio de compra e venda ou por conferência de bens para integralizar cotas.

Ainda sobre esse tema, Ricardo questionou Fernanda se o mesmo ocorre com Fundos Imobiliários. Fernanda disse que só há o pagamento do lucro imobiliário no Fiagro quando houver venda das cotas ou quando elas forem amortizadas. Nessas situações, quando efetivamente realizar o ganho de capital, haveria pagamento.
Ricardo abordou a prática de algumas operações de crédito no âmbito do FIAGRO, onde a dação em pagamento é negociada, possibilitando até mesmo opções para o proprietário original da terra recomprar a propriedade no futuro. Ele enfatizou que essa estratégia oferece um alívio financeiro de longo prazo, especialmente em cenários de queda de preços e aumento de custos. Destacou que, quando a situação se reverte e os preços voltam a subir, o produtor pode recuperar suas margens e, potencialmente, recomprar a fazenda, evitando assim o difícil processo de recuperação judicial. Nessa linha, Ricardo questionou Fernanda sobre quais impostos incidem, para o produtor rural, quando a propriedade é transferida pelo valor da dívida, levando em consideração a possibilidade de doação pelo valor da dívida. 
Fernanda explicou que a questão tributária envolvida nesse tipo de operação é bastante complexa. Ela ressaltou a importância de considerar diversos fatores, como se o proprietário é uma pessoa física ou jurídica, qual é o regime tributário da empresa (presumido ou real), entre outros. Fernanda destacou que, ao realizar o pagamento de uma dívida e transferir a propriedade, é necessário analisar se haverá tributação sobre a diferença entre o valor da dívida e o valor do imóvel. Ela reconheceu que essa avaliação requer uma análise detalhada de cada caso específico para determinar o melhor caminho a ser seguido. Fernanda observou que essa questão é bastante recorrente. Ela destacou a complexidade tributária associada ao perdão de dívidas e aos haircuts em processos de recuperação judicial. Fernanda ressaltou a relevância dessa discussão no contexto dos fundos imobiliários e do Fiagro. Por exemplo, se um fundo possui um título garantido por um imóvel e o título não é pago, o fundo pode acabar retomando o imóvel como garantia. No entanto, ela enfatizou que a questão tributária é mais complicada e merece atenção especial.
Encaminhando-se para o encerramento do debate, Ricardo comentou que a discussão abrangeu vários temas relevantes para o momento, destacando a importância do agronegócio e a evolução do mercado de capitais no Brasil. Ele observou que essa evolução veio para ficar e destacou a importância de estruturas complementares de funding e investimentos, especialmente em países mais desenvolvidos onde o mercado de capitais tem uma participação significativa em determinados segmentos, incluindo o agronegócio. Ricardo afirmou que, apesar das aprendizagens e eventuais demoras na regulamentação, o Brasil está no caminho certo. Ele reconheceu que o ano teve momentos delicados, mas isso não compromete o futuro do setor. Pelo contrário, ele destacou que a demanda global pelos produtos brasileiros continua forte, indicando uma perspectiva positiva. Para finalizar, Ricardo pediu aos painelistas que fizessem suas considerações finais.
Laysa concordou com Ricardo, afirmando que o agronegócio brasileiro é um destaque mundial e que é crucial debater sobre esse tema. Ela destacou a importância de estar próximo ao produtor e levar oportunidades de crédito alternativo aos que ainda não conhecem esse mercado. Mencionou que muitos assessores estão indo para o interior do Brasil, captando novos produtores e trazendo-os para o mercado financeiro e de capitais, algo extremamente importante para ambos os lados. Laysa reconheceu que o agronegócio está passando por um momento conturbado, mas comparou isso a outras dificuldades enfrentadas no passado, expressando otimismo sobre o futuro promissor do setor. Ela enfatizou que momentos de dificuldade são importantes para crescimento e progresso, ajudando a identificar o que funciona e o que não funciona. Finalizou dizendo que está bastante positiva em relação ao agronegócio e às novas formas de crédito, que serão muito importantes para os produtores nos próximos anos.
Marcos expressou sua gratidão pela oportunidade de participar da discussão. Ele ressaltou que o agronegócio sempre esteve presente em sua vida e que é uma parte essencial do Brasil. Marcos destacou que há uma grande parcela do mercado que ainda não está aproveitando as novas possibilidades de crédito devido ao desconhecimento ou à falta de preparo para acessá-las. Ele enfatizou a importância de prospectar esse mercado e prepará-lo para acessar as linhas de crédito disponíveis, mostrando a relevância do agronegócio e a necessidade de uma gestão adequada, especialmente para as muitas famílias que administram cerca de 60% desse mercado. Marcos enfatizou a oportunidade para investir nessa mudança e encorajou os produtores que sentem essa necessidade de mudança a começarem o quanto antes. Ele concluiu destacando a importância do trabalho de consultoria e advocacia nessa área, que ajuda a compartilhar conhecimento e a aproximar os mercados. 
Fernanda concluiu transmitindo também uma mensagem positiva. Ela concordou com Marcos sobre a importância do agronegócio para o Brasil, destacando sua tecnologia e eficiência operacional. Fernanda enfatizou que a profissionalização e a adoção de instrumentos de capital no setor agrícola serão inevitáveis, apesar da resistência inicial de alguns. Ela comparou a resistência à mudança no agronegócio com a que foi observada no mercado imobiliário no passado, observando que, eventualmente, as práticas mudam para se adaptar às novas exigências do mercado de capitais. Fernanda expressou otimismo sobre a velocidade da mudança, dada a evolução do mercado de capitais e o acesso a informações por parte dos investidores. Ela reconheceu que haverá desafios, como análises de crédito e questões sazonais, mas considera que esses são aspectos naturais do processo de aprendizado do mercado. Fernanda destacou a importância de passar por esses desafios para testar e aprimorar o produto final. Ela acredita que o mercado está pronto para absorver essas mudanças, à semelhança do que ocorreu com os fundos imobiliários, e vê um futuro promissor e produtivo. Além disso, Fernanda ressaltou que essas mudanças não beneficiarão apenas os investidores, mas também os produtores, que terão acesso a novas formas de crédito. Ela previu um aumento na governança e nas práticas de transparência, bem como no nível de educação financeira, como resultado da integração do agronegócio ao mercado de capitais. Concluindo, Fernanda encorajou a aprendizagem com os desafios para construir um caminho mais sólido e resistente para o setor.
Ricardo finalizou dizendo que o agronegócio tem aquilo que é mais importante em qualquer mercado: uma demanda constante, perene e crescente, pois abrange a demanda de alimento no mundo inteiro. Destaca que para o Brasil, um grande player no setor, o crédito é fundamental, sendo um mercado que tem um fundamento muito expressivo. Por fim, o moderador agradeceu novamente ao TMA pela oportunidade, aos ouvintes e aos participantes, frisando a alta qualidade das opiniões expostas durante o evento. 
 

Autor(a)
Laís Dumitrescu
Informações do autor
Advogada e mestranda em direito comercial na USP
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