
O TMA Brasil promoveu, no dia 29 de abril de 2025, mais uma edição do Café Agro, evento transmitido ao vivo pelo YouTube. Com o tema 'Cédula de Produto Rural (CPR) e Recuperação Judicial', o painel foi moderado pelo Dr. Domício Santos Neto – Sócio do escritório Santos Neto Advogados, com atuação destacada em direito empresarial e operações estruturadas, e contou com os debatedores, Exmo. Dr. Eduardo Sávio Busanello – Juiz Titular da Vara Regional Empresarial da Comarca de Santa Rosa, integrante do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, com jurisdição especializada em matéria Empresarial; Dra. Paola Cristina Rios Pereira Fernandes – Advogada da Caixa Econômica Federal, com atuação especializada em crédito, recuperação de crédito e estruturação jurídica de garantias e Dr. Washington Pimentel – Sócio do escritório Washington Pimentel Advocacia, especialista em mercado de capitais, reestruturação e instrumentos de financiamento estruturado. A relatoria ficou a cargo da Dra. Carine Junkert, da Junkert Advocacia & Consultoria.com atuação consultiva e contenciosa em direito empresarial, especialista em reestruturação de empresas, recuperação judicial e falência.
RESUMO DOS DEBATES
Histórico e Evolução da CPR
O Dr. Domício Santos Neto abordou a criação da CPR pela Lei nº 8.929/1994, sua consolidação no mercado e os desafios decorrentes de alterações legais posteriores, com ênfase na crítica à obrigatoriedade de registro na B3.
CPR e Recuperação Judicial
A Dra. Paola Fernandes apresentou as hipóteses legais de extraconcursalidade de CPRs físicas, conforme artigo 11 da Lei da CPR, destacando os critérios da antecipação de pagamento e das operações de troca (barter), respaldadas por jurisprudência do STJ e TJ-MT.
Garantias, Essencialidade e Análise Judicial
O Exmo. Dr. Eduardo Busanello apresentou interpretações sobre a CPR com garantia de alienação fiduciária, a dificuldade de registro do patrimônio rural em afetação, e a exigência de análise concreta da essencialidade de bens. Comentou a prática judicial quanto à aplicação da lei e as dificuldades recorrentes nas varas empresariais.
Estruturação e Perspectiva de Mercado
O Dr. Washington Pimentel discutiu a relevância da CPR como instrumento estruturante em operações de CRA e Fiagro. Destacou a importância de soluções extrajudiciais diante da inadimplência e defendeu maior engajamento do mercado privado no tratamento da reestruturação de crédito.
Integrantes do painel:
Dr. Eduardo Sávio Buzanelo, Juiz Titular da Vara Regional Empresarial da Comarca de Santa Rosa/RS – TJRS
Paola Cristina Rios Pereira Fernandes, Advogada da Caixa Econômica Federal
Washington Pimentel, Sócio do escritório Washington Pimentel Advocacia
Carine Junkert, Advogada e relatora do evento, da Junkert Advocacia e Consultoria
Domício Santos Neto, Moderador do painel, sócio do escritório Santos Neto Advogados
2. Introdução Técnica do Moderador (14:32 – 25:55)
O Dr. Domício Santos Neto iniciou sua intervenção apresentando um panorama histórico da CPR, destacando sua introdução com a Lei nº 8.929/1994 e as dificuldades iniciais de consolidação do instrumento no mercado. Mencionou o Banco do Brasil como uma das primeiras instituições relevantes a operar com CPRs e relembrou a crise de 1999, que trouxe discussões sobre o uso da CPR para produtos industrializados, como açúcar e álcool.
Em seguida, compartilhou estudos realizados por seu escritório entre 1994 e 2004 sobre a evolução jurisprudencial de temas como:
Antecipação de pagamento como requisito de validade
Notificação de endosso ao produtor
Registro de endosso em cartório
Uso de CPR como garantia de variação de preço
Comentou as alterações legislativas promovidas pela Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020) e pela reforma da Lei de Recuperação e Falência (Lei nº 14.112/2020), que excluíram a CPR física dos efeitos da recuperação judicial, gerando novos debates.
Relatou sua experiência em grupo de trabalho junto ao Ministério da Agricultura, que buscava obrigar o registro de todas as CPRs em entidade como a B3. Posicionou-se contra essa obrigatoriedade, destacando que a imposição burocrática aumentaria custos sem benefício evidente para determinadas operações.
Criticou ainda a obrigatoriedade de registro de alienação fiduciária de produto agropecuário em cartório de imóveis, citando o estado de São Paulo, por meio da ARISP, como exemplo de prática que gerou insegurança jurídica ao exigir esse registro mesmo quando não há CPR envolvida.
Concluiu destacando a importância crescente da CPR como lastro para Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e o protagonismo do mercado de capitais no financiamento do setor agro, mesmo diante de entraves operacionais e interpretações jurídicas controversas.
3. Exposição Técnica – Paola Cristina Rios Pereira Fernandes (25:55 – 40:59)
Tema: CPR no contexto da Recuperação Judicial
A Dra. Paola destacou que, até a edição da Lei nº 14.112/2020, o produtor rural não tinha legitimidade ativa para requerer recuperação judicial. A reforma, além de conferir essa legitimidade, estabeleceu um rol taxativo de créditos sujeitos aos efeitos da recuperação.
Segundo a Dra. Paola, os créditos que se sujeitam à RJ devem:
Estar relacionados à atividade rural
Estar devidamente registrados nos documentos contábeis, fiscais e financeiros do produtor rural
Em contrapartida, não se sujeitam à recuperação judicial:
Créditos utilizados para aquisição de propriedade rural nos três anos anteriores ao pedido
Créditos vinculados a CPR física que representem operações de compra e venda de produto rural futuro com pagamento antecipado
Créditos oriundos de operação de troca por insumos (barter)
A Dra. Paola detalhou duas hipóteses específicas de não sujeição à RJ:
CPR física com antecipação total ou parcial do pagamento (compra e venda de produto futuro)
CPR física que representa operação barter (permuta por insumos)
Citou o Recurso Especial nº 2.037.804/SP do STJ, que confirmou a natureza extraconcursal de CPRs físicas nessas hipóteses.
Acrescentou jurisprudência do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que reafirma a não sujeição da CPR física e destaca que o produto rural (ex: grãos) vinculado à CPR não é bem essencial à atividade, não recebendo a proteção do art. 49, §3º da Lei de Recuperação e Falências.
Concluiu reforçando a segurança jurídica da CPR como título extraconcursal e validando o entendimento jurisprudencial dominante em sua aplicação em processos de recuperação judicial.
4. Comentários Moderador (41:05 – 42:30)
Dr. Domício agradeceu a exposição da Dra. Paola e observou que, apesar de haver alinhamento em nível de tribunais estaduais, ainda há decisões divergentes em primeira instância. Reforçou a importância da discussão e convidou o próximo expositor, Dr. Eduardo Sávio Buzanelo, a apresentar sua análise sobre alienação fiduciária e essencialidade dos bens, inclusive com perspectiva doutrinária.
5. Exposição Técnica – Eduardo Sávio Buzanelo (42:30 – 1:04:51)
Tema: CPR com garantia fiduciária e patrimônio rural em afetação
O juiz Eduardo Buzanelo iniciou com uma breve apresentação de sua atuação na Vara Regional Empresarial de Santa Rosa/RS, que abrange 115 municípios. Comentou o histórico da soja na região e os impactos de crises climáticas recorrentes (secas e enchentes). Relatou que 60% das recuperações judiciais em sua jurisdição são de produtores rurais
Defendeu a criação de mecanismos de alerta precoce de crise econômica, à semelhança de modelos da União Europeia, criticando o ingresso tardio e em situação de insolvência absoluta por parte dos produtores rurais.
Ao abordar a CPR, destacou:
A CPR física é, por regra, extraconcursal (art. 11 da Lei 8.929/94)
A frustração de safra decorrente de força maior pode descaracterizar essa extraconcursalidade
Jurisprudência dominante não reconhece seca e pragas como força maior, mas admite enchentes excepcionais como tal
Sobre garantias, esclareceu que:
A CPR pode ser garantida por qualquer modalidade prevista legalmente
A análise da essencialidade do bem dado em garantia deve ser feita caso a caso
Declarações padronizadas de “não essencialidade” não vinculam o juiz
Relatou abusos na prática, como a tentativa de declarar caminhonetes de luxo como bens essenciais à atividade rural. Em sua vara, tem exigido como contracautela a instalação de rastreadores, a fim de mitigar o risco de desvio de bens mantidos com o devedor.
Em relação ao patrimônio rural em afetação, explicou:
Pode abranger o imóvel, benfeitorias e acessões, exceto lavouras e bens móveis
A lei protege a garantia, mas não o crédito em si
Em caso de recuperação judicial, o crédito se submete ao plano, mas a garantia é protegida
Há ressalvas quanto a dívidas fiscais, previdenciárias e trabalhistas, que podem atingir o patrimônio afetado
Concluiu destacando a fragilidade da garantia baseada em patrimônio afetado, a complexidade de seu registro e a necessidade de atenção do credor ao estruturar esse tipo de operação.
6. Exposição Técnica – Washington Pimentel (1:15:05 – 1:37:50)
Tema: CPR como instrumento extrajudicial de reestruturação – Perspectiva de mercado de capitais e Fiagro
O Dr. Washington Pimentel destacou que seu enfoque seria o uso da CPR em contextos extrajudiciais, com foco no mercado de capitais, renegociação de dívidas e Fiagro.
Afirmou que a CPR foi concebida para dinamizar o acesso ao crédito no agronegócio, especialmente após a limitação do crédito rural oficial. Com as alterações da Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020), a CPR tornou-se ainda mais relevante no contexto das operações estruturadas de mercado, servindo como principal lastro de CRAs e Fiagros.
Ressaltou que cerca de 80% do financiamento do setor agro no Brasil já provém do mercado privado, reforçando a necessidade de estabilidade e previsibilidade jurídica em torno da CPR.
Criticou o mercado por não ter se preparado adequadamente para lidar com a reestruturação de dívidas no agro, mesmo diante da evidente natureza empresarial da atividade, muitas vezes exercida por pessoas físicas sem governança, estrutura sucessória ou gestão de risco.
Destacou que a recuperação judicial vem sendo utilizada por falta de alternativas eficazes de reestruturação extrajudicial e por ausência de diálogo entre credores e produtores. Defendeu que o mercado privado deveria assumir papel mais ativo nesse processo.
Apontou exemplos concretos de evolução recente:
Credores oferecendo prazos de até 10 anos com carência de 2 anos para reestruturação extrajudicial de dívidas
Negociações envolvendo desmobilização parcial de ativos (venda de partes de fazendas) com controle sobre valor e tempo
Desenvolvimento de estruturas com governança e gestão ativa do crédito
Rechaçou a tese de que existe uma “indústria de RJs fabricadas” no agro. Segundo ele, trata-se de um movimento de amadurecimento forçado diante da crise, da fragilidade da estrutura de crédito e da ausência de instrumentos efetivos de renegociação em larga escala.
Alertou para o desconhecimento dos riscos jurídicos por parte dos produtores, que acreditam equivocadamente que a recuperação judicial suspende todos os efeitos das garantias e impede a consolidação de bens.
Ressaltou a relevância da CPR como título consolidado e seguro, ainda mais com a versão eletrônica, a possibilidade de indexação por dólar e sua função central na captação de recursos para CRA e Fiagro.
Em relação ao Fiagro Reorg, afirmou que ainda não há uma prática consolidada, mas que o instrumento tem potencial para se firmar como mecanismo de reestruturação privada, desde que o mercado atue com mais proximidade, governança e disposição para renegociar.
Encerrou sua fala enfatizando que:
O produtor rural brasileiro não é ineficiente; ao contrário, foi protagonista no crescimento da produtividade agrícola do país
O setor carece de educação financeira, planejamento e profissionalização
A solução para a crise está mais na ação coordenada do mercado do que no judiciário
A inércia do sistema privado e a ausência de canais de reestruturação são os principais fatores que incentivam a judicialização das dívidas
7. Considerações Finais (1:38:03 – 1:42:25)
Exmo. Dr. Eduardo Sávio Buzanelo
Retomou a discussão sobre a conversão da CPR física em execução pecuniária por frustração de entrega. Afirmou que, nesse caso, a natureza extraconcursal da CPR não se perde, pois a conversão decorre de obrigação legal. Sugeriu, no entanto, que eventuais acordos prevejam expressamente a manutenção da origem cedular para evitar interpretações equivocadas.
Comentou um caso concreto de sua vara, envolvendo um produtor rural altamente endividado que arrendou toda sua propriedade a uma revenda, atuando apenas como gestor da operação. Questionou se esse produtor, sem bens ou estrutura própria, teria legitimidade para propor recuperação judicial. Alertou para o risco sistêmico que a quebra de grandes revendas pode representar, por assumirem função informal de financiamento e arrendamento de áreas rurais.
8. Encerramento (1:41:19 – 1:42:25)
Dr. Domício Santos Neto encerrou o evento agradecendo nominalmente aos debatedores (Paola, Eduardo, Washington), à organização (Rafael – TMA Brasil) e aos participantes que acompanharam pelo YouTube. Destacou a relevância contínua do tema CPR, dada sua evolução legal e implicações práticas no financiamento e reestruturação do setor agropecuário.
Reforçou que o painel demonstrou a complexidade da matéria e a necessidade de amadurecimento institucional e jurídico do tema. Despediu-se desejando um bom dia a todos, acompanhado pelos cumprimentos finais dos participantes.