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Os desafios da reestruturação de empresas em um cenário de incertezas e baixo crescimento econômico

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O atual cenário econômico brasileiro desafia os negócios de diversos setores e diminui as perspectivas de crescimento e retorno de investidores e empresários. Empresas com pouca resiliência perante uma economia adversa tendem a apresentar maiores dificuldades a se manterem saudáveis e recorrem a processos de reestruturação, ou até mesmo a recuperação judicial, para não sucumbir à falência. Até mesmo empresas capitalizadas, que podem suportar períodos maiores de crise, não estão garantidas quanto a adaptação às adversidades e novas exigências do mercado. Uma reestruturação eficaz não envolve apenas renegociação de dívidas ou venda de ativos. Ela deve ir muito mais além, abrangendo um controle eficaz de caixa e resultado, por meio de um profundo diagnóstico operacional e a implantação de um plano de turnaround.

 

Mudança na Perspectiva Econômica

Na contramão dos países mergulhados na crise internacional de 2008, o Brasil apresentava expectativas favoráveis quanto a perspectiva de crescimento econômico. Ganhamos o título de grau de investimento, a economia cresceu 7,5% em 2010 e, no ano seguinte, tornou-se a sexta maior do mundo. Fatores como inflação dentro da meta estabelecida pelo Banco Central e os eventos de alta visibilidade mundial, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, contribuíram para o aumento da atratividade do Brasil no momento em que outros países, tanto da América do Norte quanto Europa, passavam por um turbulento período econômico.

Contudo, diferentemente do cenário positivo até meados de 2013, o atual panorama político e econômico brasileiro provoca apreensão em investidores e desafia a continuidade das atividades de empresas atuantes em diferentes setores da economia. A diminuição da atratividade para investimentos no País é influenciada por fatores como o péssimo desempenho industrial, medidas fiscais heterodoxas adotadas pelo governo, inflação acima da meta, corrupção, baixo crescimento em 2014, riscos como o racionamento de água e energia e, ainda, uma elevação do custo de insumos básico. O Fundo Monetário Internacional, por meio do estudo World Economic Outlook (WEO) divulgado em abril deste ano, aponta retração de 1% para a economia brasileira em 2015. Concomitantemente, a demanda interna tem sofrido impacto direto da expectativa na redução da expansão do estoque de crédito e no aumento do endividamento das famílias brasileiras. A possibilidade de queda na demanda impulsiona a necessidade de adaptação das empresas perante as mudanças no atual contexto econômico.

Em nossas discussões com stakeholders familiarizados com o mercado brasileiro, encontramos temas recorrentes que resumem os desafios enfrentados pelas empresas instaladas no território nacional. Elencamos as principais questões que criam novos desafios para a continuidade das atividades empresariais:

  1. Inflação alta;
  2. Baixo crescimento ou crescimento negativo do PIB;
  3. Aumento das taxas de juros;
  4. Baixo investimento em infra-estrutura; e
  5. Ausência de confiança por parte dos investidores e consumidores.

Também constatou-se características similares em empresas, apesar de atuarem em diferentes setores econômicos como, por exemplo, o aumento de alavancagem financeira, perda de valor de mercado, falta de competitividade e redução nas vendas e rentabilidade. Alguns desses setores, apresentaram margens de venda e lucro dizimadas em decorrência do controle governamental de preços com objetivo de manter a inflação em baixos patamares - como foi o caso, por exemplo, dos setores de Oil & Gas, Energia e de Transportes Públicos. Os setores de Oil & Gas e Construção foram ainda mais afetados em virtude das denúncias da operação Lava-Jato - investigação responsável por apurar o esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas na Petrobras - que ameaça tanto os respectivos executivos quanto toda a cadeia de fornecedores que dependem dos projetos da petrolífera nacional.

As consequências da incerteza do cenário econômico são constatadas no agravamento de importantes indicadores como, por exemplo, o crescimento mínimo do PIB, as taxas de juros elevadas, as taxas de câmbio depreciadas e a diminuição da entrada de capital externo. Em 2014, o Brasil apresentou o pior crescimento econômico do PIB desde a crise global de 2009 e as expectativas para a taxa básica de juros (SELIC) para 2015 é próxima de 14% a.a..

 

* Estimativa do FMI.

Fonte: IBGE, FMI e Banco Mundial

 

* A taxa SELIC corresponde a oficializada do 1º dia últil do mês.

** A inflação (IPCA) corresponde aos percentuais do ano acumulados até dezembro, exceto para 2015 em que a taxa é acumulada até abril.

Fonte: IBGE e Banco Central

 

Recentemente, com o intento de mapear a expectativa de mercado perante as novas diretrizes da economia brasileira, a KPMG fez uma pesquisa com investidores, intituições financeiras, empresários, consultorias e escritórios de advocacia.

Dos pesquisados, 65% apontam a manutenção dos baixos níveis de crescimento da economia no curto prazo. Paralelamente, 90% acreditam que a taxa básica de juros permaneça no mesmo ou em nível superior ao atual. Os setores apontados como mais vulneráveis à crise econômica foram o Imobiliário, Construção, Fabricantes de Automóveis e Autopeças, Energia e Agronegócio.

 

Fonte: KPMG

 

O reflexo do cenário econômico atual nas empresas pode ser visto, por exemplo, no aumento do número de pedidos de recuperação judicial. Entre 2010 e 2014, de acordo com dados divulgados pelo Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial aumentaram 74%.

 

Fonte: Serasa Experian (2015)

 

Novos Desafios para as empresas no Brasil

A combinação dos fatores mencionados anteriormente representa novos desafios para a sobrevivência das empresas que intensificarão a disputa pelo mercado por meio da redução de preços e na exploração de maiores níveis de eficiência operacional, abrindo mão de margens que, provavelmente, já encontram-se no limite. A chave para a sobrevivência das empresas passa pela restruturação operacional do negócio, com foco sobre os custos, rentabilidade e caixa, incluindo melhorias no capital de giro e no ciclo produtivo.

É comum encontrarmos empresas com baixa produtividade, mão de obra superdimensionada, lead time maior que o necessário e desbalanceamento de estoque e de linhas de produção. A baixa importância dada ao planejamento de produção, o descaso com a composição dos produtos, a ausência de controle de custos alinhado com ações de racionalização e preservação de caixa e capital de giro resultam na necessidade de elevada alavancagem para a continuidade das atividades empresariais. Em síntese, a baixa eficiência na utilização dos recursos da fábrica, capital humano, materiais, financeiros e a baixa eficiência no planejamento de compra, produção e venda, torna o retorno dos investimentos abaixo do esperado.

Ainda, de acordo com a pesquisa promovida pela KPMG, 43% dos pesquisados acreditam que as principais causas para um negócio entrar em crise é uma igual contibuição de fatores internos e externos. Enquanto que outros 42% acreditam que a crise é causada por problemas gerados dentro do controle dos executivos. Apenas 15% acreditam que a crise está relacionada a problemas internos originados por fatores externos e, ninguém, aponta que os problemas de uma empresa são causados, exclusivamente, ​​por fatores externos e fora do controle de gestão.

 

 

Fonte: KPMG

 

Ao longo de nossa experiência, é comum encontrarmos oportunidades significativas de melhoria em muitas empresas. Sinais financeiros de distress e stress como, a elevada alavancagem financeira, margens baixas, falta de capital de giro adequado e baixa geração de caixa estão diretamente associados a problemas internos da operação das Empresas, tais como:

  1. Produtividade abaixo da média;
  2. Excesso de recursos sendo utilizados na produção;
  3. Permanente desequilíbrio entre linhas de estoque e produção;
  4. Prazos de entrega mais longos do que o necessário;
  5. Falta de planejamento e controle de compras e produção;
  6. Negligência na gestão da estrutura de produto;
  7. Falta de controle de margem e custo;
  8. Altos custos associados com horas extras; e
  9. Desequilíbrios nos custos gerais e administrativos em relação ao tamanho da Empresa.

Outra deficiência típica é a má gestão do caixa e capital de giro. Normalmente a atenção dos executivos está mais focada no desenvolvimento de negócios e no aumento das vendas ao invés da preservação de caixa e na otimização do capital de giro.

Em particular, com o recente agravamento das condições macroeconômicas brasileiras, muitas empresas precisam adaptar suas operações para uma demanda mais baixa em um ambiente de inflação mais elevada. O descompasso entre a capacidade e a demanda instalada cria um stress adicional na capacidade da empresa de gerar caixa e resultados. Essa situação pode colocar em risco a sobrevivência caso não seja devidamente tratada.

 

Um estudo de caso: lidando com o ambiente desafiador

A empresa era líder de mercado na indústria de autopeças e, recentemente, havia investido no aumento de sua capacidade instalada, antecipando-se ao possível aumento de demanda. Entretanto, constatou-se o declínio no volume de vendas, ainda, concentrado nos produtos de maiores margens. O negócio tinha um elevado grau de endividamento, margens operacionais baixas e/ou negativas e risco de interrupção operacional devido a falta de capital de giro. Consequentemente, os clientes estavam receosos de uma possível paralisação na cadeia de fornecimento.

Haviam muitas questões operacionais com oportunidades para melhoria, incluindo um extenso portfólio de produtos com margens baixas e/ou negativas. As discussões iniciais com a administração elencaram questões críticas que foram incluídas no plano de ação do turnaround operacional. Os pontos-chave neste caso foram detalhados na tabela abaixo, utilizado na fase inicial de planejamento do projeto:

 

Fonte: KPMG

 

Depois de uma fase de diagnóstico que contemplava diferentes áreas e oportunidades do negócio, os principais desafios foram definidos e as soluções foram transformadas em um plano de ação detalhado. As principais atividades consistiram em:

Controle de caixa, renegociação e financiamento para capital de giro
Ações foram tomadas visando o controle imediato de saída de recursos da empresa, a renegociação da dívida existente e a captação de novos recursos. O foco dos trabalhos foi dedicado à compreensão dos requisitos gerais de capital de giro da empresa (contas a pagar, contas a receber, estoque, etc.) com foco na identificação e melhora da eficiência do cliclo produtivo.

Planejamento, compras e produção
Foi lançado um programa de redução de estoques para equilibrar os níveis de matéria-prima para cada produto do portfólio. Outro item, incluído no plano de ação, foi a otimização do planejamento da produção, simplificando os processos com foco em produção enxuta para aumentar a produtividade.

Dado o fato de que quase todos os produtos com maior volume de vendas tinham uma margem operacional baixa e/ ou negativa, foi fundamental garantir que os portfólios de produtos e de clientes fossem completamente revisados, produzindo um mix de produtos mais equilibrado e, que proporcionassem melhores margens e um cliclo produtivo mais curto e eficiente.

Nesta frente, as oportunidades para reduzir os preços de compra de matérias-primas foram abordadas através do desenvolvimento de novos fornecedores e da reorganização de atividades e processos produtivos, substituindo insumos na composição do produto por outros com melhor qualidade e menor custo e através da redução da quantidade de matérias-primas que não alterassem o valor agregado percebido pelo consumidor.
 

Resultados (vendas, custos e margens)
Como base em um plano de crescimento de margem, foi criada uma nova política comercial, alterando volumes, mix de produção e canais de distribuição, melhorando o giro de estoque, reduzindo o tempo de entrega das mercadorias e, consequentemente, melhorando as margens operacionais.

Entre as principais realizações, os custos sofreram redução de 12%, o capital de giro foi reduzido, principalmente com foco na otimização de estoques, houve redução em mais de 20% do tempo de entrega, aumento na carteira de clientes e um aumento significativo na participação de produtos rentáveis. Ao final, as modificações resultaram em um incremento de 7% no lucro líquido.

 

Conclusão

Neste ambiente de economia hostil e baixo crescimento as empresas e os respectivos stakeholders esperam e exigem dos profissionais de reestruturação soluções mais completas que garantam que as operações estejam em linha com as novas realidades do mercado.

O estudo de caso  ilustra a importância de uma solução completa e sustentável para as empresas em dificuldade. É vital a recuperação da confiança dos credores no refinancimento da dívida e no aporte de capital, oferecendo às empresas a capacidade de superar os problemas de uma forma estruturada.

O profissional de reestruturação deve empregar no processo de mudanças a velocidade e provocação necessária para a empresa assumir a resiliente disposição de dar os passos em direção ao enfrentamento das adversidades, sem perda de tempo e sem experimentos frustrados, atuando diretamente no foco da crise e tirando máximo proveito dos recursos disponíveis.

Com todos os desafios que as empresas terão de enfrentar no Brasil, as soluções que tiverem como foco a identificação e correção dos problemas operacionais das empresas, pautadas no rígido controle dos recursos disponíveis (caixa) e na geração de resultados (rentabilidade), determinarão o sucesso de um turnaround, independente do setor de atuação das empresas em reestruturação.

Autor(a)
André Schwartzman, Francisco Clemente, Márcia Yagui, Leonardo Camargos
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