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Os recebíveis na recuperação judicial

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Muito se tem discutido sobre o  tratamento que deve ser dado ao crédito garantido por cessão fiduciária de  recebíveis quando o devedor se encontra em processo de recuperação  judicial.

A Lei de Falências e Recuperação de Empresas prevê que todos os  créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial estarão a  ela submetidos. Foi feita uma exceção, porém, a determinados créditos que,  por sua natureza, não devem se submeter à recuperação judicial. É o caso,  por exemplo, dos créditos garantidos por propriedade fiduciária de bens  móveis e imóveis, cujos credores podem exercer o direito de propriedade  sobre o respectivo bem ainda que o devedor esteja em recuperação judicial.  Os tribunais têm divergido quanto ao tratamento do tema.

Este texto busca apresentar os  argumentos que têm sido utilizados pela jurisprudência para dar subsídio à  inclusão ou exclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de  recebíveis da recuperação judicial (ou seja, se tal crédito teria o mesmo  tratamento conferido ao crédito garantido por propriedade fiduciária), bem  como identificar qual posicionamento tem atualmente prevalecido nos  principais tribunais do país.

O principal argumento daqueles  que defendem a inclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de  recebíveis - as chamadas "travas bancárias" - na recuperação judicial é  que coisas incorpóreas, tais como direitos creditórios, não teriam sido  expressamente excepcionadas pela Lei de Recuperação Judicial. Sustentam  seu argumento no fato de o artigo 49, parágrafo 3º, da lei, excepcionar  expressamente a propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, mas nada  dispor sobre a cessão fiduciária de bens incorpóreos como os recebíveis.  Segundo essa corrente pró-devedor, caso o legislador pretendesse prever a  cessão fiduciária de recebíveis no rol de exceções do artigo 49, parágrafo  3º, deveria tê-lo feito expressamente.

A jurisprudência pró-devedor  sustenta ainda que a não submissão do cessionário fiduciário de recebíveis  à recuperação judicial contrariaria princípios basilares da nova  legislação, quais sejam os da preservação e função social da empresa.  Segundo essa corrente, o exercício dos direitos conferidos pela cessão  fiduciária de recebíveis pelo credor impossibilitaria a entrada de  dinheiro na empresa, já que seria diretamente destinado ao banco  cessionário. Os tribunais de Justiça do Espírito Santo e de Minas Gerais  são exemplos dos que já adotaram esse posicionamento pró-devedor,  determinando a inclusão dos créditos garantidos por cessão fiduciária de  recebíveis na recuperação judicial. Também há decisões da Justiça de  primeira instância do Mato Grosso nesse mesmo sentido.

O Tribunal de Justiça do Rio de  Janeiro utilizou recentemente outro argumento para também incluir os  cessionários de recebíveis na recuperação judicial. Segundo o referido  tribunal, a lei não permitiria cessão fiduciária de dinheiro, mas  tão-somente de bem que possa ser vendido para pagamento ao credor. Dessa  forma, descaracterizou a natureza jurídica da cessão fiduciária de  recebíveis e a classificou como penhor, que, de acordo com aquele  tribunal, seria o instituto que mais se aproximaria da real intenção das  partes.

Outros tribunais adotam postura  inversa, entendendo que os créditos garantidos por cessão fiduciária de  recebíveis não devem se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial  exatamente por a Lei de Recuperação Judicial excluir os créditos  garantidos por propriedade fiduciária de uma forma geral, não fazendo  qualquer ressalva à cessão fiduciária de recebíveis. Tais tribunais  entendem que, por ser a cessão fiduciária de recebíveis uma espécie  pertencente ao gênero propriedade fiduciária, também estaria  automaticamente excluída no artigo 49, parágrafo 3º, da referida lei. Esse  entendimento já foi consolidado em São Paulo e no Paraná e começou mais  recentemente a ser adotado pelo tribunal do Mato Grosso.

Para afastar o argumento de que  os direitos creditórios em relação aos recebíveis não poderiam ser  caracterizados como móveis ou imóveis, a jurisprudência pró-credor cita o  artigo 83, incisos II e III, do Código Civil, que classifica os direitos  como bens móveis.

O tribunal do Rio de Janeiro  ainda não consolidou seu entendimento quanto ao tema. Apesar de existir  decisão pró-devedor, o tribunal proferiu recente decisão pró-credor  reconhecendo que o crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis  não entra na recuperação judicial. O tribunal entendeu que, por mais que a  exclusão desse crédito possa comprometer o capital de giro da empresa, não  se deve desmerecer a proteção conferida pela LFRE à garantia fiduciária.  Entendeu também que, especialmente em momentos de crise econômica como o  atual, deve ser fomentada a utilização de mecanismos de crédito  confiáveis, que atendam às exigências do mercado.

De uma forma geral, a atual  jurisprudência pró-credor tem entendido que recebíveis são bens como  qualquer outro e a eles se aplica a disciplina jurídica das coisas móveis.  Dessa forma, tanto a propriedade fiduciária em garantia de coisas  corpóreas quanto a cessão fiduciária de coisas incorpóreas teriam a mesma  natureza jurídica, estando ambas imunes aos efeitos da recuperação  judicial.

Outro argumento pró-credor é o  parecer nº 534, de 2004, da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado  Federal, segundo o qual a sujeição dessa garantia à recuperação judicial  prejudicaria a expansão do crédito e a redução dos seus custos no Brasil,  uma vez que os bancos só concedem créditos nessas condições partindo do  pressuposto de que estão protegidos pela legislação. Em outras palavras, o  legislador reconhece que a sujeição desses créditos aos efeitos da  recuperação judicial acabaria, na prática, tornando sua concessão pelos  bancos muito onerosa ou, até mesmo, inviável.

A questão deverá ser analisada  pelo Superior Tribunal de Justiça em breve, mas a impressão que fica é de  que ainda está longe de ser pacificada. São absolutamente assimétricas,  como se vê , as decisões de alguns dos principais tribunais do país. De um  lado Minas e Espírito Santo se postam ao lado de devedores. Paraná e São  Paulo, por sua vez, acatam os argumentos dos credores. Até que tais  divergências sejam completamente dirimidas, é recomendável que as  instituições financeiras tomem cuidados adicionais ao conceder  financiamentos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis, sempre  verificando o posicionamento do tribunal que seria competente para julgar  um eventual pedido de recuperação judicial do devedor.

 

Autores: Carla de  Vasconcellos Crippa e Caio Campello de Menezes

Fonte: Valor Econômico (21/10/2009)

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