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Inadimplente, Cimento Tupi é alvo de medidas judiciais de credores

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Após anos de calote, a Cimento Tupi foi alvo neste começo de ano de medidas judiciais de investidores internacionais que possuem cerca de US$ 115 milhões em créditos contra a empresa. A companhia não pagou US$ 185 milhões em notas emitidas fora do Brasil, entre 2011 e 2014, vencidas em maio do ano passado. A empresa já estava sem pagar os juros desses papéis, que representam o rendimento dos títulos, desde 2015.

Com iniciativas separadas, grupos de credores tentam cobrar seus direitos na Justiça de Nova York e também suspender, na Justiça do Rio de Janeiro, a incorporação da controladora Cimento Santo Estevão, realizada em dezembro com a justificativa de economia de custos e despesas operacionais.

Além dos investidores das notas, a China Export & Credit Insurance Corporation (Sinosure) também tenta parar a transação. A companhia está inadimplente em R$ 70 milhões com a instituição.

Em crise há pelo menos quatro anos, empresa tinha R$ 1,5 milhão em caixa para R$ 1,3 bilhão em dívidas, em setembro

Apesar de a controladora ser quase uma holding pura, sem atividade operacional, a transação ampliou o déficit de patrimônio da Cimento Tupi em R$ 495 milhões, pois trouxe dívidas adicionais. Antes da incorporação, o patrimônio líquido já estava negativo em R$ 643,5 milhões, indicando que as obrigações superavam nesse montante os bens e direitos da empresa - agora o desajuste supera R$ 1,1 bilhão.

As iniciativas dos credores não surtiram efeito na Justiça brasileira, que rejeitou os pedidos, mas colocaram em evidência a situação da companhia. Ainda está pendente de decisão o questionamento do banco chinês.

Tradicional cimenteira carioca de 70 anos, pertencente à família Koranyi Martins Ribeiro, a Cimento Tupi vive uma profunda crise de seus negócios. Com capacidade instalada de 2,5 milhões de toneladas de cimento por ano, a empresa produz apenas metade do que pode há cerca de quatro anos. Boa parte da produção está concentrada em Minas Gerais.

A receita da companhia nos primeiros nove meses de 2018 somou R$ 165,4 milhões, praticamente estável em relação a igual período de 2017. O prejuízo, contudo, aumentou cerca de 3,5 vezes, passando de R$ 90 milhões para R$ 318 milhões, na mesma comparação. As despesas financeiras de quase R$ 290 milhões foram a principal explicação para o balanço no vermelho, mas mesmo antes dessa conta o resultado operacional estava negativo em R$ 24,5 milhões.

No último balanço publicado, de setembro de 2018, a própria Cimento Tupi afirma que a continuidade das operações "depende do sucesso da administração e de seus assessores na reestruturação da dívida e da estrutura de capital". O auditor independente, a BDO, fez uma nota alertando para o risco de continuidade do negócio.

A piora patrimonial com a incorporação da controladora Santo Estevão foi o argumento usado por um grupo liderado pelo fundo de investimento Fratelli, e representado pelo escritório Pinheiro Guimarães, para tentar parar a operação. Juntos, esses fundos têm praticamente 60% das notas, cerca de US$ 110 milhões. Foi feito pedido de decisão liminar baseado no artigo 232 da Lei das Sociedades por Ações. Esse trecho da lei oferece ao credor que se sentir prejudicado a capacidade de pleitear a anulação de uma incorporação ou fusão.

A Justiça do Rio, porém, negou a solicitação da Fratelli com argumento de que o patrimônio da Cimento Tupi já estava negativo antes. Esse também foi o fundamento usado pela instituição chinesa para pedido praticamente idêntico.

Outro fundo credor, o Advance Hedge Fund, representado pelo Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, pediu a suspensão do negócio no Brasil enquanto iniciou um processo de cobrança em Nova York. O argumento, contudo, é a escritura das próprias notas emitidas pela companhia, que concedem poder de veto aos detentores dos papéis em caso de situação de inadimplência. Ainda não houve decisão na Justiça americana sobre a cobrança, mas o fundo também teve o pedido sobre a incorporação negado.

A Cimento Tupi, consultada a respeito do litígio com credores, afirmou em nota que "vem mantendo, diretamente ou por meio de seus assessores financeiros, tratativas com credores", desde 2015, "buscando firmar acordos em termos adequados à situação financeira da companhia e razoáveis" a todas as partes. A companhia é representada pelo banco de investimento Rothschild e pelos escritórios BMA e Ferro, Castro Neves, Daltro e Gomide Advogados.

Contudo, fontes próximas à empresa, e também pessoas vinculadas aos credores, afirmam que houve negociação entre os anos de 2015 e 2017, mas desde que os títulos venceram e não foram pagos, em maio do ano passado, os contatos foram poucos e sem uma proposta efetiva de solução.

Nos anos anteriores, quando estava em falta com o pagamento dos juros dos papéis, a companhia chegou a rascunhar propostas detalhadas de uma reestruturação, mas não houve acordo.

De acordo com fontes próximas à situação pelo lado da Cimento Tupi, os credores estariam tentando forçar a companhia a buscar uma recuperação judicial. Apesar de deter R$ 1,5 milhão em caixa, ao fim de setembro, para uma dívida total de R$ 1,3 bilhão, segundo tais fontes, a empresa não vê motivo que justifique tal opção e sequer cogita o uso dessa solução.

Apesar de não haver nenhuma negociação em andamento neste momento, a crença da companhia é que haverá um algum tipo de acordo privado para a situação. Do total devido, mais de R$ 1 bilhão são relativos aos títulos emitidos fora do Brasil e já vencidos, mais os juros não pagos de 9,75% ao ano.

Para sair desse cenário, a Cimento Tupi, segundo um interlocutor, depende de obter novos recursos para capital de giro e também da melhora do mercado em que atua, de construção civil. Em 2018, os acionistas colocaram R$ 19 milhões no negócio, na forma de aumentos de capital, para manter a operação em andamento e os pagamentos a funcionários em dia. O dinheiro, porém, está distante de ser suficiente para sanar os problemas de forma definitiva.

Quanto às dívidas bancárias, que somavam cerca de R$ 250 milhões, a companhia negociou, para a maioria dos valores, o alongamento de vencimentos de 2015 e 2016 para novembro de 2020.

Nas decisões favoráveis à empresa, a Justiça reitera o argumento de que é necessário preservar a função social do negócio. Atualmente, a Cimento Tupi emprega cerca de 550 pessoas. Diferentemente da Justiça dos Estados Unidos, a brasileira tem, por tradição, a preservação das companhias.

A situação da Cimento Tupi, segundo fontes, expõe a dificuldade que credores de títulos internacionais sem garantia, emitidos por companhias brasileiras, têm de cobrar as empresas aqui. "A companhia está se aproveitando da situação. O lema é 'devo, não nego, mas não pagarei enquanto puder'", afirmou uma fonte ligada a um dos credores. Em nota ao Valor, a companhia afirma que se mantém aberta a negociações, mas que "alguns credores têm adotado posturas que não contribuem para a solução das divergências, inclusive com a propositura de ações judiciais".

10/04/2019

 

Autor(a)
Por Graziella Valenti

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