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Cessão fiduciária submete-se à recuperação

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sensibilizou-se com a situação dramática das empresas em recuperação e, de forma histórica, alterou sua jurisprudência anterior. No REsp 1.532.943-MT, de 13 de setembro de 2016, entendeu que a assembleia-geral de credores (AGC) pode liberar coobrigados na recuperação judicial, mesma posição defendida por este autor, desde 2009, conforme artigo então publicado na Revista da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) nº 105. Marco histórico e relevante para o direito recuperacional, este novo entendimento denota a sensibilidade do STJ e a tentativa de criar condições para propiciar efetiva recuperação.

Aproveitando esta marcante abertura do STJ, é o momento de defender o entendimento de que a cessão fiduciária de recebíveis está sujeita à recuperação, trava terrível que será a missa de réquiem da recuperação, se não afastada desde logo. Para isto, neste exíguo espaço, será propugnado tal entendimento, a partir de três métodos hermenêuticos, objetivos e simples: interpretação gramatical, histórica e econômica.

Interpretação gramatical: a lei não tem palavras inúteis e não usa palavras diferentes para expressar a mesma coisa. A Lei 10.931/04 introduziu o artigo 66-B na Lei 4.728/65, cujo parágrafo 3º fala em alienação fiduciária e em cessão fiduciária; no parágrafo 4º fala apenas em cessão; e nos parágrafos 5º e 6º fala em cessão e alienação. Parece evidente que se o legislador entendesse que cessão e alienação são a mesma coisa, não estaria a repetir ambas as expressões, repetição reiterada que denota tratar-se de coisas diferentes.

A interpretação anterior dada pelo STJ só poderia subsistir se cessão fosse a mesma coisa que alienação. E não são a mesma coisa

A Lei 10.931/04 também introduziu no Código Civil o artigo 1368-A, que começa falando sobre "espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária", sendo que propriedade remete a alienação e titularidade a cessão. Usou o legislador a conjunção alternativa "ou", que indica alternância ou escolha de situações ou fatos diferentes. Portanto, em hermenêutica jurídica puramente gramatical, a conclusão é que "alienação" é coisa diferente de "cessão". O parágrafo 3º do artigo 49 da Lei 11.101/05 (LREF) fala apenas em "proprietário fiduciário", coisa diferente de "cessionário fiduciário".

Interpretação histórica: o senador Ramez Tebet (PMDB-MS), no relatório da LREF, em 13 de abril de 2004, anotava que nenhuma recuperação seria viável se não contasse com a "máquina indispensável à sua produção", para justificar a suspensão do direito de retomada de bens alienados, pelo prazo de 180 dias. Nada falou sobre cessão fiduciária, pois esta só foi criada pela Lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, posterior ao relatório.

No entanto, se é inviável a recuperação sem a "máquina", muito mais inviável será sem o "dinheiro". Ou seja, historicamente, a LREF foi promulgada sem que fosse conhecido o instituto da cessão e, portanto, o termo "alienação" do parágrafo 3º do artigo 49 não pode abrigar o termo "cessão".

Interpretação econômica: o argumento utilizado antes da promulgação da LREF para propiciar aos credores financeiros, o benefício da exclusão da alienação fiduciária do âmbito da recuperação, foi no sentido de que isto traria baixa de juros, o que decorreria naturalmente do reforço da garantia ao excluí-la da recuperação. No entanto, não houve qualquer baixa (como aliás já se sabia), tanto que atualmente Brasil e Turquia disputam, no mundo todo, a primazia dos juros mais elevados do planeta.

O argumento "ad terrorem" agora renovado, de que o sistema financeiro não liberará empréstimos se a cessão fiduciária estiver sujeita à recuperação, não deve atemorizar ninguém. Dinheiro é a mercadoria do banco e só vale se circular, de tal forma que os juros continuarão os mesmos e não haverá retração na oferta de financiamento.

Como a experiência mostra, o limite dos juros está na capacidade do banco de forçar o mutuário à aceitação, não nestas garantias que em nada interferem nas taxas, o que está demonstrado historicamente, até pela própria inclusão do benefício do parágrafo 3º do artigo 49 quando da promulgação da LREF, com aumento de garantia sem baixa dos juros.

Por fim, o parágrafo 3º do artigo 49 termina com a estipulação de que não é permitida "a venda ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital", o que mostra de vez que não está referindo-se a cessão fiduciária. Na cessão não há o que retirar do estabelecimento, pois o dinheiro objeto da cessão vai direto para o credor financeiro, sem qualquer trânsito pelo estabelecimento; não se pode tirar do estabelecimento aquilo que não entrou no estabelecimento.

Ou seja, a interpretação dada pelo STJ no REsp 1.263.500-ES, de 5 de fevereiro de 2013, ao colocar "dentro" do parágrafo 3º, a cessão, só poderia subsistir se cessão fosse a mesma coisa que alienação. E, com todo o respeito ao entendimento contrário, não são a mesma coisa. Portanto, a cessão fiduciária submete-se aos efeitos da recuperação.

Claro que há uma infinidade de razões, tanto para defender uma posição quanto para defender a outra. No exíguo espaço desta coluna, esta é a contribuição possível para a discussão, sempre hipotecando o costumeiro respeito à corrente contrária, infelizmente ainda majoritária.

Autor(a)
Manoel Justino Bezerra Filho
Informações do autor
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola Paulista da Magistratura

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