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Solução em Foco: Projeto de Lei 3/ 2024 (2ª Parte)

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O evento teve a moderação de Joice Ruiz, Sócia da AJ Ruiz Administração Judicial e contou com a participação dos seguintes debatedores: Eduardo Mange, Sócio do Mange Advogados, Isabel Picot, Sócia do Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi e Ayoub Advogados e Luiz Fernando Valente de Paiva, Sócio da Reasset.
 

Em 19 de março de 2024, a TMA Brasil realizou mais um evento da série “Solução em Foco” com o tema “Projeto de Lei 3/ 2024 (2ª Parte)”, transmitido de forma online via YouTube (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_R2dyMjyHC8&t=1s ).

Joice Ruiz introduz o debate relembrando alguns fatos ocorridos desde a apresentação do projeto de lei no início deste ano, destacando a repentina e surpreendente substituição do projeto original por um projeto substitutivo dias antes da realização do evento. Ela traça uma breve linha do tempo, a saber: no início do ano, foi apresentado, em regime de urgência, o Projeto de Lei 3/ 2024 de autoria do Ministério da Economia com o objetivo de aprimorar a Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei 11.101/05). Entretanto, em função de melhorias em pontos específicos do Projeto de Lei 3/ 2024  e de discussões mais aprofundadas para que estas fossem alcançadas, o Secretário de Reformas Econômicas Marcos Pinto, assegurou que o regime de urgência seria removido do projeto. Surpreendentemente, o secretário não cumpriu com sua palavra e a nova relatora designada para o Projeto de Lei 3/ 2024, deputada federal Dani Cunha (União Brasil-RJ), apresentou em seu relatório um novo texto com um projeto substitutivo ao apresentado anteriormente.

Ela ressalta a manifestação coletiva feita por entidades da área de insolvência, incluindo a TMA Brasil, que posicionaram-se de forma muito crítica e contrária a esse novo texto, pontuando que ele piora significativamente as inconsistências do texto original ao incorporar potenciais regras que  inviabilizam a recuperação de empresas, comprometendo assim a eficiência dos processos de falência e afastando ainda mais o projeto de lei de atingir as melhorias desejadas por todos os envolvidos em sua discussão.
Por fim, ela passa a palavra ao Dr. Luiz Fernando, fazendo uma provocação acerca dos possíveis beneficiários do texto substitutivo, no que tange à recuperação judicial de empresas, uma vez que esta sequer foi considerada na discussão do texto original e no texto substitutivo é alvo de diversas alterações que enfraquecem seus mecanismos.

O Dr. Luiz Fernando dá início ao debate comentando que, a despeito da massiva rejeição inicial que o Projeto de Lei 3/ 2024 sofreu quando apresentado, ele abrange pontos importantes e bastante úteis para os processos de falência, bem como seu substitutivo, que considera aspectos relevantes ignorados pela versão original. Entretanto, analisando o texto substitutivo por completo, considerando os pontos críticos que ele se propõe alterar, o resultado é desastroso.

Ele inicia sua explanação a partir do art. 48 proposto no projeto, que trata do prazo para ajuizamento de recuperações judiciais, explicando que a comissão parlamentar responsável pela discussão do projeto que deu origem à Lei 11.101/2005, era contra o estabelecimento de um prazo mínimo para ajuizar novas ações dessa natureza, uma vez que esta restrição desconsidera o fator de mercado (eventos imprevisíveis de naturezas diversas que geram mudanças bruscas e repentinas no ambiente econômico) que foge ao controle dos devedores e que pode forçá-los a rever e /ou reestruturar um novo plano de recuperação judicial. Na lei original sancionada em 2005, o prazo mínimo para se ajuizar uma nova recuperação judicial era de 5 (cinco) anos, contado a partir da concessão de uma recuperação judicial ajuizada anteriormente. Na prática, este dispositivo apenas fazia com que estas ações se prolongassem no tempo, sem de fato recuperar a saúde financeira das empresas, permitindo-lhes voltar a operar seus negócios em saldo positivo. O novo texto piora ainda mais este cenário ao estipular um prazo mínimo de 2 (dois) anos, contado a partir do encerramento de uma recuperação judicial ajuizada anteriormente. Esta alteração só permite o encurtamento deste prazo mínimo, se o todo o passivo renegociado na ação predecessora estiver sido liquidado. De acordo com o Dr. Luiz Fernando, esta regra é absurda e completamente descabida, pois em sua vasta experiência, não há precedentes de qualquer devedor que tenha liquidado todos os seus débitos em um prazo tão estreito.
Na sequência, ele comenta brevemente sobre o art. 49, §10 que trata da elegibilidade dos créditos passíveis de serem incluídos em um novo procedimento de recuperação judicial, cuja alteração impossibilita que o devedor renegocie créditos formados ou novados advindos de uma recuperação judicial anterior, manifestando novamente o descabimento desta alteração, já que ela também desconsidera o fator de mercado mencionado anteriormente e ressaltando o fato curioso de a lei original (Lei 11.101/2005) não versar sobre este tópico.

A Dr. Isabel assume a palavra para um breve comentário sobre a justificativa do Projeto de Lei 3/ 2024, que cita o caso de recuperação judicial da Oi Telecomunicações, expressando seu pensamento de que a nova legislação que pretende alterar o tema não pode tomar por base as várias críticas direcionadas a um caso particular, por um suposto abuso na utilização do procedimento da recuperação judicial, para atacá-lo e enfraquecê-lo, quando na verdade ele deveria ser ampliado. Ela contextualiza tal pensamento, explicando que a instabilidade do ambiente econômico nacional, permeado por crises financeiras sucessivas, acabam contribuindo para o estado de inadimplência de muitas empresas, que encontram no procedimento de recuperação judicial uma chance única de superar seus problemas de insolvência e que, portanto, não pode ter seus mecanismos restringidos para combater um suposto abuso isolado de determinada companhia em detrimento a inúmeras outras empresas que de fato necessitam dele para não incorrer em falência, tornando-o fundamental ao exercício da atividade empresarial no Brasil. Ela finaliza seu comentário, pontuando que tal postura do poder legislativo brasileiro vai na contramão do que está sendo discutido e praticado no mundo, em termos de criação e ampliação de institutos de insolvência, a fim de torná-los mais atrativos para as empresas.

O Dr. Luiz Fernando retoma a palavra, passando o debate para o art. 37, § 2º-A (que se encontra nas disposições comuns, ou seja, as alterações valem mutuamente para os procedimentos de falência e de recuperação judicial) que trata da alteração de quórum para a instalação de assembleia em 1ª (primeira) e em 2ª (segunda) convocação em procedimentos de falência e de recuperação judicial.
Ele explica que antes das alterações propostas, o quórum em 2ª (segunda) convocação era formado por aqueles que se faziam presentes na ocasião, contudo, a nova alteração estabelece que o quórum seja formado com a presença da maioria dos credores e com a totalidade dos créditos devidos. Ele continua explicando que essa alteração inviabiliza a aprovação do plano de recuperação judicial, posto que é comum em processos dessa natureza existir uma enorme quantidade de credores, tornando-se praticamente impossível reuni-los em sua maioria para a instalação e posterior aprovação de um plano de recuperação judicial.

Ele finaliza sua fala, apresentando os efeitos que a alteração de quórum para a instalação de assembleia em 1ª (primeira) e em 2ª (segunda) convocação também exerce sobre os processos de falência, ressaltando que neste caso, a possibilidade de reunir, no mínimo, metade dos credores é ainda mais remota que nos processos de recuperação judicial, por motivos óbvios.

O Dr. Eduardo compartilha sua indignação com a alteração proposta no art.37, § 2º-A, reforçando a impossibilidade de se atingir o quórum estipulado pela alteração e destacando a falta técnica de escrita do texto ao não explicitar a consequência processual no caso de ele não ser atingido, ressaltando que essa alteração cri, desnecessariamente, um problema no procedimento de recuperação judicial. 

 A Dr. Joice levanta o tópico principal de discussão do texto substitutivo ao projeto original que trata das alterações quanto à atuação do administrador judicial (AJ) em processos de falência. Ela compartilha com os debatedores a justificativa do projeto de “reforçar aspectos moralizantes” para tais alterações, demonstrando como estas foram redigidas sem o menor conhecimento técnico acerca do trabalho de um administrador judicial e chamando a atenção para um ponto extremamente crítico proposto pelo texto substitutivo que trata da substituição imediata de administradores judiciais em falências em curso. Por fim, ela convida os debatedores a refletirem novamente sobre quem se beneficiaria dessas alterações.

A Dr. Isabel se manifesta e pontua que o projeto de lei original tinha claramente o objetivo de acelerar e tornar mais eficiente os processos de falência, mas com o advento do texto substitutivo apresentado posteriormente, pautas oportunistas, como a remuneração de administradores judiciais, foram incorporadas ao debate, transformando-os no alvo principal da discussão em torno do Projeto de Lei 3/ 2024.

O Dr. Luiz Fernando retoma o debate a respeito da substituição imediata de administradores judiciais em falências em curso, argumentando ser uma medida impossível de ser praticada e muito prejudicial aos credores, pois a falta de tempo hábil para um administrador organizar todas as informações de que tem posse para transmiti-las a um novo administrador judicial implicaria em perdas, atrasos e muita desordem, comprometendo, dessa forma, o andamento dos processos já existentes.
A respeito da intenção dos legisladores de conferir ao trabalho dos administradores judiciais uma conduta mais moralizante com o intuito de evitar abusos e desvios em suas atuações, ele a considera válida e pertinente, porém, a forma como eles atacam o problema é absolutamente equivocada, uma vez que as restrições por eles propostas, acabarão inviabilizando o pleno exercício das funções dos AJs.

Encerrada a discussão acerca dos graves equívocos cometidos pelos legisladores ao abordarem o problema da remuneração dos AJs, a Dr. Joice muda a direção do debate para tratar a respeito das alterações que o texto substitutivo apresenta sobre a figura do gestor fiduciário. Ela pontua que o novo texto resolve alguns problemas no que tange à qualificação, remuneração e responsabilidade do gestor fiduciário em processos de falência e que foram totalmente ignorados no texto do projeto de lei original. Contudo, ela destaca que o texto substitutivo não aborda de forma alguma um ponto crucial que impacta consideravelmente a atuação dos gestores fiduciários: a resolução dos conflitos de interesse entre estes e os credores que irão nomeá-los, bem como formas de punição, no âmbito penal, caso estes ocorram e cujas possibilidades de ocorrerem, são incontestavelmente altas. 
Ela passa a palavra para o Dr. Luiz Fernando, um defensor da figura do gestor fiduciário, questionando-o se há razoabilidade na aprovação do texto substitutivo, considerando que ele ignora por completo este ponto sensível de discussão.

O Dr. Luiz Fernando começa a responder a indagação da Dr. Joice, apontando que considera as mudanças propostas pelo texto substitutivo bastante positivas. Na sequência, ele destaca algumas delas: (i) o novo texto deixa claro que as mesmas disposições que se aplicam ao administrador judicial também se aplicam ao gestor fiduciário, enquanto o texto do projeto de lei original estabelecia 2 (dois) regimes para sua atuação de uma forma muito mal estruturada; (ii) o candidato a gestor fiduciário ter que ser apresentado no prazo de 5 (cinco) dias corridos antes da assembleia de instalação; (iii) dentro deste mesmo prazo, o candidato a gestor fiduciário também ter que apresentar sua pretensão remuneratória para os credores apreciarem na assembleia de instalação, algo que não era discutido previamente e que dava margem para o maior credor apresentar e escolher o gestor fiduciário de acordo com seus interesses, gerando, inevitavelmente, conflitos com os demais credores; e (iv) o juiz poder destituir o gestor fiduciário, se ele observar que este está descumprindo as obrigações legais.

A Dr. Joice chama o Dr. Eduardo para comentar a respeito da ampliação da participação do devedor nos processos de falência que, em sua opinião, é um ponto positivo de destaque no texto substitutivo, uma vez o texto original tornava tal participação praticamente nula.

O Dr. Eduardo concorda com a colocação da Dr. Joice e menciona alguns direitos que foram atribuídos à figura do devedor: (i) requerer a substituição do administrador judicial, do gestor fiduciário e dos membros do comitê; (ii) impugnar a estimativa de pagamento da classe. Neste momento, ele interrompe sua fala para dar espaço ao Dr. Luiz Fernando para que ele expresse seu breve comentário sobre o item (ii).
Ele discorda, conceitualmente, do Dr. Eduardo, pois em sua visão, um dos fatores que impedem o processamento das falências é o excesso de poder conferido aos devedores que os permite recorrer a todas as ações tomadas nos processos dessa natureza. 
O Dr. Eduardo retoma a palavra e dá sequência na apresentação de mais alguns direitos dados aos devedores: (iii) antes de homologar o plano de falência aprovado, o juiz intima os credores e o falido para a apresentação de eventuais oposições no prazo de 10 (dez) dias; neste item ele destaca que a matéria de oposição é relativamente restrita, podendo as partes contestarem o não cumprimento do quórum, o descumprimento do procedimento previsto na lei, irregularidades no termo de adesão, irregularidades ou ilegalidades no plano de falência; (iv) o falido pode fiscalizar a administração e gestão da falência de forma ampla, requerendo providências necessárias para a conservação de seus direitos e dos bens arrecadados; (v) intervir em todos os processos em que a massa for parte, interpondo recursos cabíveis (o que confere ao devedor legitimidade recursal); (vi) em caso de pedido de autofalência ou da conversão da recuperação judicial em falência, o devedor pode propor o plano de falência; (vii) assinar auto de arrecadação; (viii) para os processos de falência em curso há mais de 2 (dois) anos e que ainda subsistam ativos pendentes de liquidação e alienação, os credores poderão, mediante deliberação, adjudicar ou adquirir os bens não alienados, por meio da constituição de sociedade, de fundo ou qualquer outro veículo de investimento com a participação, se necessária, dos eventuais sócios do devedor; e (ix) em caso de falência superavitária e havendo previsão de saldo a restituir ao falido, este poderá decidir pela reversão desde logo dos ativos sobejantes , respeitadas todas as reservas legais e contingências necessárias, ou optar pelo levantamento final da falência com a recuperação da gestão sobre a personalidade jurídica reabilitada (o que facilita a reinserção do falido ao mercado, caso este liquide todas as suas dívidas com os credores). Após apresentar essa série de direitos que o texto substitutivo disponibiliza aos devedores, o Dr. Eduardo reitera sua visão positiva a respeito deles, mas ressalta que ainda assim, o projeto carece de uma estruturação mais robusta e tecnicamente embasada.

Encaminhado o debate para o final, a Dr. Joice retoma a palavra para levantar, brevemente, um último tópico: o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Ela manifesta sua indagação a respeito do disposto no art. 82-A, § 5º: “As decisões dos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica contra sociedades falidas, empresas em recuperação judicial, seus sócios, controladores e administradores, observadas as disposições do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), apenas poderão surtir efeitos depois de transitadas em julgado.”

O Dr. Eduardo responde que, em seu entendimento, o parágrafo mencionado estabelece que os IDPJs só surtirão efeito após esgotados todos os recursos, com efeito suspensivo, em última instância.

Após o convite da Dr. Joice para que os debatedores façam suas considerações finais, a Dr. Isabel dá início às suas, concluindo que o novo projeto apresentado irá demandar muito esforço de interpretação, mas que se sente otimista em relação às emendas apresentadas pelo deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ), por estarem mais alinhadas com as mudanças que ela e os demais debatedores consideram eficientes, prudentes e necessárias acerca dos temas discutidos durante o evento. 

O Dr. Luiz Fernando encerra sua participação no evento, reiterando que em sua visão, o texto substitutivo do Projeto de Lei 3/ 2024, se debruça a problemas pertinentes e propõe soluções interessantes para eles, mas que ele peca ao ampliar muito a gama de assuntos abordados e ao cometer muitos equívocos ao tratar de alguns em específico, gerando assim perda de foco aos problemas mais relevantes, tornando-o disperso e impreciso. Por fim, ele menciona seu grande contentamento ao ver a manifestação veemente, unânime e conjunta das entidades e indivíduos da área de insolvência contra a votação do Projeto de Lei 3/ 2024 em regime de urgência.

O Dr. Eduardo encerra as considerações finais dos debatedores, reforçando o quanto a votação de um projeto de lei dessa magnitude em regime de urgência é absurda e incabível. Ele chama a atenção para a contradição que o projeto cria para si, pois se seu intuito é beneficiar os credores nos processos de insolvência de empresas e tornar tais processos mais simples e eficientes, ele falha vergonhosamente ao criar e mudar dispositivos que potencializam ainda mais a geração de conflitos entre as partes envolvidas.
 

Autor(a)
Tamiris Ribeiro
Informações do autor
Advogada, Bichara Advogados
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